É um daqueles filmes em que confluem a história e a mitologia: Casablanca (1942) continua a ser uma referência central do classicismo de Hollywood, agora objecto de mais uma especialíssima edição em DVD, com três discos e um livro — estes textos forma publicados no Diário de Notícias (6 de Janeiro).
N. G.: Não há lista de melhores filmes de sempre que o exclua. E raras são aquelas em que Casablanca não ocupa os lugares cimeiros da tabela. Deu-nos um dos maiores clássicos da história da música de 40 em As Time Goes By, que entretanto ganhou estatuto de standard. Expressões como "he-re's looking at you kid" e "the usual suspects" — na origem de Os Suspeitos do Costume, de Bryan Singer — entraram na cultura popular. Assim como, embora adulterada, a frase "play it again, Sam" (o "again" na verdade ausente dos diálogos do filme), que hoje é nome de editora discográfica. Ou "teremos sempre Paris", que agora escutamos em Barbarella e Barba Rala, canção do mais recente disco de Samuel Úria. Casablanca, de Michael Curtiz, é de facto um dos clássicos maiores da história do cinema. E regressa agora aos escaparates do DVD numa edição com três discos e um desfile de extras.
Estreado em pleno conflito militar global (com antestreia nova-iorquina a 26 de Novembro de 1942), o filme revelou, mais que uma história de amor em tempo de guerra, uma encruzilhada de ideias, de invasores e invadidos, de patriotismo e resistência, do confronto entre o conforto individual e o bem comum. Tudo isto com sede em Casablanca, a cidade marroquina de onde, com salvo-conduto assinado pelas autoridades, se conseguia um lugar no voo para Lisboa, a porta para depois eventualmente chegar aos Estados Unidos.
N. G.: Não há lista de melhores filmes de sempre que o exclua. E raras são aquelas em que Casablanca não ocupa os lugares cimeiros da tabela. Deu-nos um dos maiores clássicos da história da música de 40 em As Time Goes By, que entretanto ganhou estatuto de standard. Expressões como "he-re's looking at you kid" e "the usual suspects" — na origem de Os Suspeitos do Costume, de Bryan Singer — entraram na cultura popular. Assim como, embora adulterada, a frase "play it again, Sam" (o "again" na verdade ausente dos diálogos do filme), que hoje é nome de editora discográfica. Ou "teremos sempre Paris", que agora escutamos em Barbarella e Barba Rala, canção do mais recente disco de Samuel Úria. Casablanca, de Michael Curtiz, é de facto um dos clássicos maiores da história do cinema. E regressa agora aos escaparates do DVD numa edição com três discos e um desfile de extras.
Estreado em pleno conflito militar global (com antestreia nova-iorquina a 26 de Novembro de 1942), o filme revelou, mais que uma história de amor em tempo de guerra, uma encruzilhada de ideias, de invasores e invadidos, de patriotismo e resistência, do confronto entre o conforto individual e o bem comum. Tudo isto com sede em Casablanca, a cidade marroquina de onde, com salvo-conduto assinado pelas autoridades, se conseguia um lugar no voo para Lisboa, a porta para depois eventualmente chegar aos Estados Unidos.
A nova edição permite acompanhar o filme com comentários do crítico de cinema Roger Ebert [foto]. Depois, depoimentos e do-cumentários explicam como Casablanca, cuja rodagem foi montra de sobressaltos (com pedaços de argumento e diálogos escritos para as cenas a filmar a cada dia), acabou por surpreender tudo e todos. O filme, que começou por ser anunciado na Hollywood Reporter de 5 de Janeiro de 1942 como protagonizado por Ronald Reagan e Ann Sheridan, revelaria afinal um dos papéis de maior sucesso de Ingrid Bergman e um dos momentos de referência na filmografia de Humphrey Bogart. Não admira que este seja uma das "vedetas" do lote de extras desta edição, entre os quais encontramos o documentário Bacall sobre Bogart, que percorre a sua carreira, dos palcos da Broadway ao estrelato em Hollywood. Um protagonismo que, neste DVD, o actor partilha com Jack Warner, sobre quem é apresentado o documentário Jack Warner: The Last Mogul, de Gregory Orr.
J. L.: Pensemos nestes grandes títulos clássicos do cinema ameri-cano: Ser ou Não Ser, de Ernst Lubitsch; O Quarto Mandamento, de Orson Welles; Yankee Doodle Dandy, de Michael Curtiz; A Família Miniver, de William Wyler; O Vento Selvagem, de Cecil B. De Mille. Que há de comum entre eles? Pois bem, o facto de serem lançamentos de 1942. E, no entanto, a ressonância histórica e mitológica de qualquer um deles é incomparavelmente menor que a de um outro filme do mesmo ano: Casablanca, de Michael Curtiz [foto].
Repare-se na curiosa coincidência: Curtiz dirigiu Yankee Doodle Dandy e Casablanca em 1942. Eis um facto que, desde logo, nos permite sublinhar que se vivia a época em que os profissionais (actores, realizadores, técnicos) eram assalariados dos grandes estúdios, garantindo uma imensa produção regular. Aliás, importa acrescentar que, em 1942, Curtiz assinou, não duas, mas três longas-metragens, todas com a chancela da Warner Bros.: faltava citar O Corsário das Nuvens, com James Cagney (também protagonista de Yankee Doodle Dandy). Dito de outro modo: promovido à condição de símbolo excepcional da idade de ouro de Hollywood, Casablanca acaba por ser, na origem, e por desconcertante paradoxo, um típico exemplo das rotinas da sua produção.
É um filme maravilhoso, claro. Mas o efeito mais bizarro deste sistema de consagração cinéfila é a sua cegueira face à própria riqueza do contexto em que tudo aconteceu. Recordemos, por exemplo, um outro filme (magnífico!) sobre as convulsões da guerra, chamado Passagem para Marselha, produzido em 1944, também pela Warner. Para além das óbvias semelhanças de estilo, Casablanca e Passagem para Marselha têm o mesmo realizador e partilham nada mais nada menos que quatro actores principais (Humphrey Bogart, Claude Rains, Sydney Greenstreet e Peter Lorre). E, no entanto, quem se lembra de Passagem para Marselha?
J. L.: Pensemos nestes grandes títulos clássicos do cinema ameri-cano: Ser ou Não Ser, de Ernst Lubitsch; O Quarto Mandamento, de Orson Welles; Yankee Doodle Dandy, de Michael Curtiz; A Família Miniver, de William Wyler; O Vento Selvagem, de Cecil B. De Mille. Que há de comum entre eles? Pois bem, o facto de serem lançamentos de 1942. E, no entanto, a ressonância histórica e mitológica de qualquer um deles é incomparavelmente menor que a de um outro filme do mesmo ano: Casablanca, de Michael Curtiz [foto].
Repare-se na curiosa coincidência: Curtiz dirigiu Yankee Doodle Dandy e Casablanca em 1942. Eis um facto que, desde logo, nos permite sublinhar que se vivia a época em que os profissionais (actores, realizadores, técnicos) eram assalariados dos grandes estúdios, garantindo uma imensa produção regular. Aliás, importa acrescentar que, em 1942, Curtiz assinou, não duas, mas três longas-metragens, todas com a chancela da Warner Bros.: faltava citar O Corsário das Nuvens, com James Cagney (também protagonista de Yankee Doodle Dandy). Dito de outro modo: promovido à condição de símbolo excepcional da idade de ouro de Hollywood, Casablanca acaba por ser, na origem, e por desconcertante paradoxo, um típico exemplo das rotinas da sua produção.
É um filme maravilhoso, claro. Mas o efeito mais bizarro deste sistema de consagração cinéfila é a sua cegueira face à própria riqueza do contexto em que tudo aconteceu. Recordemos, por exemplo, um outro filme (magnífico!) sobre as convulsões da guerra, chamado Passagem para Marselha, produzido em 1944, também pela Warner. Para além das óbvias semelhanças de estilo, Casablanca e Passagem para Marselha têm o mesmo realizador e partilham nada mais nada menos que quatro actores principais (Humphrey Bogart, Claude Rains, Sydney Greenstreet e Peter Lorre). E, no entanto, quem se lembra de Passagem para Marselha?