quarta-feira, janeiro 21, 2009

Discos da semana, 19 de Janeiro

Passaram quatro anos desde que I Am A Bird Now fez de Antony Hegarty (que já tinha antes lançado um quase ignorado, mas sublime, álbum de estreia) um dos nomes mais aclamados da música da presente década. Uma voz rara, que evoca a dramaticidade das figuras trágicas do jazz e a alma confessional da melhor tradição soul e uma composição de travo clássico, com gosto evidente por figuras de referência como Leonard Cohen, Nico ou Otis Redding, estão na base da definição de uma das mais fortes personalidades artísticas que a década revelou. Depois de I Am A Bird Now, Antony foi desejado como poucos, surgindo em gravações de Björk a Marianne Faithfull, de Lou Reed a Marc Almond, dos Matmos a Clint Mansell, de Nico Muhly a Bryan Ferry, naturalmente juntando ao (vasto) lote o colectivo Hercules & Love Affair. Em finais do ano passado o EP Another World sugeria um regresso próximo à banda central à sua obra. Ei-lo que acontece, no espantoso The Crying Light, um ciclo de dez canções que aceitam a personalidade da voz, uma composição na qual se reconhecem evidentes marcas autorais, mas revela um novo gosto pela busca de uma arte final em arranjos (alguns assinados por Nico Muhly) que intensificam, pelo trabalho de orquestra, o sentido de canções que reflectem sobre paisagens e falam do futuro... O disco sugere imediata familiaridade pela voz, surpreendendo depois pelo que parece um aparente despojamento nas formas. Na verdade, a subtileza dos arranjos emerge aos poucos, entre canções ainda melancólicas, todavia menos assombradas, como que crentes numa qualquer nova esperança entretanto encontrada. O trabalho orquestral, nunca impositivo, mas frequentemente intenso, é a primeira luz que faz brilhar as novas canções... Composição, voz e toda uma discreta ordem entre instrumentos propõem um bailado de acontecimentos que representa, depois do lançar de ideias do álbum de estreia e do ensaio de formas no segundo, o atingir da plenitude criativa e interpretativa de um dos grandes nomes da música dos nossos dias.
Antony & The Johnsons
“The Crying Light”

Secretly Canadian / Popstock
5 / 5
Para ouvir: MySpace


É verdade que o cinema português tem uma relação de dieta com a criação musical, raras sendo as produções que acolhem condignamente a presença de um compositor, a quem é depois confiada a criação e gravação de uma partitura original, com princípio, meio e fim. Ao longo dos últimos anos, Bernardo Sassetti tem-se revelado uma das raras excepções às regras. E tem vindo a definir um percurso que, além da elogiada (e editada) música composta para Alice, de Marco Martins, nos deu igualmente música para, entre outros, A Costa dos Murmúrios, de Margarida Cardoso, 98 Octanas, de Fernando Lopes, ou Quaresma, José Álvaro de Morais. Um Amor de Perdição (filme estreado no Festival de Locarno, em 2008) representa a sua terceira colaboração com Mário Barroso, depois de O Milagre Segundo Salomé (2004) e o telefilme Aniversário (2000). A música, como sugere o próprio Bernardo Sassetti no booklet, é uma homenagem à história da música para cinema, evocando ideias que remontam ao clacissimo orquestral de Korngold, Steiner ou Friedhoffer, e que abarcam ainda a relação de Kubrick com Ligeti (via Eyes Wide Shut), aceitando ainda uma referência a Prokofiev (que assinou magnífica música para filmes de Eisenstein), todavia aqui citado num bailado. Depois de algumas experiências cinematográficas num terreno “jazz não jazz”, Um Amor de Perdição revela-se em território mais próximo de tradições clássicas ocidentais, ao piano sendo todavia concedida uma liberdade melodista que sugere outras heranças ali cruzadas. Entre passagens mais descritivas e sugestões mais líricas a partitura orquestral (gravada pela Sinfonietta de Lisboa, dirigida por Vasco Pereira de Azevedo) é acompanhada pelas vozes de Beatriz Batarda e Catarina Wallenstein que nos recordam o carácter narrativo e funcional desta música, mesmo assim capaz de conhecer vida própria sem a história e as imagens que lhe deram razão de ser.
Bernardo Sassetti
“Um Amor de Perdição”

Trem Azul
4 / 5
Para saber mais: site da editora


O duo MGMT não conseguiu levar o seu álbum de estreia Oracular Spectacular aos lugares cimeiros de tantas tabelas de “discos do ano” como seria de supor. Isto sobretudo dado o entusiasmo com que, sobretudo em pistas de dança com vacina anti-house de segunda linha, foram acolhidos temas como Time To Pretend ou Kids, verdadeiros hinos dançantes de 2008... Contudo, os ouvidos que seguiram os caminhos indie pop/rock no último ano escutaram a sua mensagem. Uma mensagem que contribuiu, à sua maneira, para a reabertura das portas (da percepção) para velhas heranças escutadas numa das mais visionárias e criativas etapas na história da canção pop/rock. Falamos dos dias garridos do psicadelismo (sobretudo de 1966 e 67), que através dos MGMT (e não só, é verdade), chegaram a uma nova geração... Sendo certo que não tardaria o aflorar aqui e ali de novas descendências... E eis que surge um exemplo, no mesmo bairro da mesma cidade. Chamam-se Mirror Mirror e, depois de colhidas as pistas no presente, acabaram por contemplaram os “mestres” de referência. Acima de todos, Syd Barrett. The Society For The Advancement Of The Inflamatory Consciousness (nome exageradamente longo, complicado e, convenhamos, inconsequente), parece ser claro fruto destas redescobertas, trazidas para um tempo onde não serão estranhas a presença próxima de um gosto pelos discos de uns Mercury Rev ou Grizzly Bear. O disco revela uma mão cheia de belos momentos (dos quais se destacam New Horizons ou My Talisman). Mas, resultado de uma ideia ainda em maturação, muitas vezes tropeça em exercícios de estilo formais, faltando o apurar de uma escrita e soluções de arte final que permitam à banda colher estímulos nos Floyd de Barrett em vez de o tentar reproduzir nos dias do presente.
Mirror Mirror
“The Society For The Advancement Of The Inflamatory Consciousness”

Cochon Records
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Tom Jenkinson é já um veterano. Através do nome Squarepusher tornou-se não apenas numa das figuras de referênciads do catálogo da Warp Records, mas igualmente numa das vozes mais activas na procura de caminhos de diálogo entre as electrónicas do presente e as linguagens do jazz e suas periferias. Just A Souvenir é já o seu décimo sugundo álbum e, em tudo, um espaço de continuação de uma demanda fiel à sua obra. O desafio para o enfrentar nasceu da vontade de aplicar à música uma identidade narrativa, afinal nada mais que uma das mais antigas vocações da composição instrumental. O ponto de partida encontrou-o num daqueles sonhos que por vezes temos quando estamos acordados. Imaginou uma banda a tocar, frente a um cenário dominado por um cabide gigante. Em palco está um baterista inuit. Às tantas, um rio entra pelo palco dentro... E depois os músicos trocam de lugares... Ao argumento não falta uma boa dose de surrealismo, mas nele reside a base para uma história contada por sons. Na essência da música mora uma firme relação com as electrónicas e o jazz, assim como um evidente proragonismo de guitarras. Os temperos mais frequentes vão de heranças acid rock a pontuais incursões por dinâmicas rítmicas apreendidas no funk... Não falta um fugaz piscar de olho ao space disco, nem um ocasional revisitar de dinâmicas drum’n’bass... Mais próximo das aventuras conceptuais da cultura rock’n’roll de 70 que do ascetismo de algumas recentes criações electrónicas mais cerebrais, Just A Souvenir escuta-se como uma viagem que se aprende a acompanhar...
Squarepusher
“Just A Souvenir”
Warp Records
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Joshua Tillman, mais conhecido como J Tillman nas capas dos discos e nos cartazes dos concertos, era um nome já com alguma rodagem, ainda os Fleet Foxes estavam longe de conhecer a recepção entusiasmada que deles fez, sem dúvida, uma das mais aclamadas revelações de 2008. J Tillman é desde há perto de um ano o baterista dos Fleet Foxes, mas desde 2004 tem carreira a solo, editando regularmente discos desde então. Além dos discos, foi correndo pelas estradas e palcos, ao lado de músicos como Jesse Sykes ou Damien Jurado. Depois de, em 2008, terem sido reeditados (em formato digital) alguns dos álbuns que antes tinha lançado sem grande impacte (em pequenas ou pequeníssimas etiquetas independentes) 2009 recebe uma nova colecção de inéditos. Vacilando Territory Blues revela contudo uma personagem bem distante da exuberância cenográfica do álbum que colocou os Fleet Foxes no mapa das referências folk do ano passado. Minimalista nos recursos, económico nas soluções vocais e instrumentais, este é um disco mais próximo de uma linha folk cantautoral, procurando entre os modelos figuras como Nick Drake ou Will Oldham. Modelos que segue em busca de referências para uma ética de trabalho, não necessariamente enquanto destinos concretos de uma abordagem estética. O álbum propõe uma colecção de canções com sabor a solidão. Entre a contemplação e a assombração, um mundo profundamente pessoal revela-se canção após canção. Minimalista nos recursos, é evidente manifestação de uma filosofia (com alguma expressão na comunidade alt-folk do presente) que crê numa amplificação da personalidade e ideias perante uma opção frontal pela contenção de tudo o que não seja essencial. Não são exactamente esqueletos, as canções de Vacilando Territory Blues. Mas o alinhamento acaba por sugerir uma certa sensação de claustrofobia (nas formas, nas ideias, na escrita).
J Tillman
“Vacilando Territory Blues”

Bela Union
2 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
White Lies, Bon Iver (EP), Calexico (DVD), Jim O'Rourke & Loren Connors, Raymond Scott (caixa), Welcome Wagon, Chico Buarque (caixa), Factory Records (caixa), Secret Machines

Brevemente:
26 de Janeiro: Franz Ferdinand, Bruce Springsteen, Future of the Left, The Bird and The Bee, Johnny Cash (remixes), Of Montreal (EP), Six Organs of Admittance, Swing Out Sister, Glasvegas, Titus Andronicus
2 de Fevereiro: Andrew Bird, Benjy Ferree, Jim White, Lloyd Cole, Dakota Suite, A Camp, Burt Bacharah (best of),
9 de Fevereiro: Lilly Allen, Jah Wobble, Van Morrission (live), Erasure (remixes), Frida Hyvonen, A.S. Mutter (Mendelssohn), Emmy The Great, Pet Shop Boys (reedições)

Fevereiro: Morrissey, Björk (DVD), Casiotone for the Painfully Alone, Kate Bush (DVD), Asobi Seksu, Beirut/Realpeople, Dean & Britta (DVD), M Ward, Vetiver, Grandmaster Flash, Pearl Jam (reedição), Robert Wyatt (caixa), Empire Of The Sun, Ultravox (reedições), John Hassel, J.E. Gardiner (Brahms)
Março: U2, Grizzly Bearl, Neko Case, White Lies (ed nacional), Xutos & Pontapés, The Prodigy, Mexican Institute of Sound, Mirah, Bonnie 'Prince' Billy, William Orbit, The Decemberists, PJ Harvey + John Parish, Arcade Fire (DVD), MSTRKRFT, Frank Black, VV Brown
Abril: Tortoise, Art Brut, Vitalic