Até que ponto os jovens de hoje são sucedâneos do herói/anti-herói de Laranja Mecânica? Como é ser jovem e viver num mundo saturado de imagens e mensagens mediáticas? Há dias, Lula da Silva proferiu algumas palavras que nos podem ajudar a pensar a complexidade política da relação entre televisões e juventude — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 de Novembro), com o título 'Algumas palavras do Presidente Lula' (os subtítulos foram colocados para esta edição).
> Entre família e televisão. Demorei muitos anos a compreender o alcance e complexidade do filme Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick. De facto, há no trabalho de Kubrick uma dimensão premonitória cuja transparência me parece, agora, irrecusável. O seu herói Alex (na lendária composição de Malcolm McDowell) não é apenas o símbolo de uma sociedade em que a violência física se transformou numa linguagem corrente, mais ou menos conotada com formas perversas de glamour. Ele é também o protótipo de uma juventude que vive enquadrada por dois factores decisivos: por um lado, um dramático enfraquecimento das estruturas familiares, do seu papel educacional e da sua coesão simbólica; por outro lado, um avassalador peso normativo do mundo das imagens e, em particular, do espaço televisivo.
> A responsabilidade da televisão. Lembrei-me do Alex de Kubrick ao ler algumas palavras de Lula da Silva, integradas no seu discurso de abertura do III Congresso Mundial de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (Rio de Janeiro, na passada terça-feira). Falando do contexto em que se processam os abusos sexuais, o Presidente do Brasil referiu que a “questão da pobreza” não pode servir para explicar tudo (e, acrescento eu, para apaziguar as boas consciências que não querem discutir as premissas do mundo mediático em que vivemos). Mais concretamente, Lula da Silva sublinhou que a família e a sua desvalorização institucional é um fenómeno que não pode ser separado de certas formas de programação televisiva, em particular as que “transmitem sexo de manhã, de tarde e de noite”.
Bem sei que, fora do seu contexto, semelhantes palavras podem prestar-se às mais descabeladas interpretações moralistas. Quero dizer que, pela minha parte, não se trata de favorecer esse discurso hipócrita de alguns membros da classe política portuguesa que são capazes de fazer entusiásticas campanhas contra os centímetros de “nudez” que algumas imagens mostram, mas evitam discutir as opções de fundo das televisões, desde a ficção (com a ditadura económica e narrativa da telenovela) até à informação (com a integração dos mais grosseiros clichés da reality TV).
Lula da Silva tem insistindo, aliás, na necessidade de manter vivo um pensamento conjuntural da televisão e para a televisão. Há dias, numa outra intervenção pública, ele próprio tinha formulado a pergunta: “Qual o processo de educação que aprendemos quando ligamos uma televisão neste país?” A sua resposta foi: “Aquilo a que assistimos, em muitos casos, é a um processo de degradação da estrutura da família”.
> Que classe política? Insisto: há uma preciosa lição política nestas declarações. Ninguém ignora que, apesar da globalização, as questões específicas das televisões variam com os ambientes culturais e nacionais. Em todo o caso, as palavras do Presidente brasileiro decorrem de um princípio elementar, cujo valor universal importa relembrar: o de que os membros da classe política não se podem dar ao luxo de lidar com a televisão como se se tratasse de uma paisagem “neutra”, isenta de responsabilidades na dinâmica social. Encarar a televisão como um mero painel de “tempos de antena”, além de vergonhosamente redutor, reflecte a mediocridade de uma classe política sem vontade nem talento para olhar o mundo à sua volta.
> Entre família e televisão. Demorei muitos anos a compreender o alcance e complexidade do filme Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick. De facto, há no trabalho de Kubrick uma dimensão premonitória cuja transparência me parece, agora, irrecusável. O seu herói Alex (na lendária composição de Malcolm McDowell) não é apenas o símbolo de uma sociedade em que a violência física se transformou numa linguagem corrente, mais ou menos conotada com formas perversas de glamour. Ele é também o protótipo de uma juventude que vive enquadrada por dois factores decisivos: por um lado, um dramático enfraquecimento das estruturas familiares, do seu papel educacional e da sua coesão simbólica; por outro lado, um avassalador peso normativo do mundo das imagens e, em particular, do espaço televisivo.
> A responsabilidade da televisão. Lembrei-me do Alex de Kubrick ao ler algumas palavras de Lula da Silva, integradas no seu discurso de abertura do III Congresso Mundial de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (Rio de Janeiro, na passada terça-feira). Falando do contexto em que se processam os abusos sexuais, o Presidente do Brasil referiu que a “questão da pobreza” não pode servir para explicar tudo (e, acrescento eu, para apaziguar as boas consciências que não querem discutir as premissas do mundo mediático em que vivemos). Mais concretamente, Lula da Silva sublinhou que a família e a sua desvalorização institucional é um fenómeno que não pode ser separado de certas formas de programação televisiva, em particular as que “transmitem sexo de manhã, de tarde e de noite”.
Bem sei que, fora do seu contexto, semelhantes palavras podem prestar-se às mais descabeladas interpretações moralistas. Quero dizer que, pela minha parte, não se trata de favorecer esse discurso hipócrita de alguns membros da classe política portuguesa que são capazes de fazer entusiásticas campanhas contra os centímetros de “nudez” que algumas imagens mostram, mas evitam discutir as opções de fundo das televisões, desde a ficção (com a ditadura económica e narrativa da telenovela) até à informação (com a integração dos mais grosseiros clichés da reality TV).
Lula da Silva tem insistindo, aliás, na necessidade de manter vivo um pensamento conjuntural da televisão e para a televisão. Há dias, numa outra intervenção pública, ele próprio tinha formulado a pergunta: “Qual o processo de educação que aprendemos quando ligamos uma televisão neste país?” A sua resposta foi: “Aquilo a que assistimos, em muitos casos, é a um processo de degradação da estrutura da família”.
> Que classe política? Insisto: há uma preciosa lição política nestas declarações. Ninguém ignora que, apesar da globalização, as questões específicas das televisões variam com os ambientes culturais e nacionais. Em todo o caso, as palavras do Presidente brasileiro decorrem de um princípio elementar, cujo valor universal importa relembrar: o de que os membros da classe política não se podem dar ao luxo de lidar com a televisão como se se tratasse de uma paisagem “neutra”, isenta de responsabilidades na dinâmica social. Encarar a televisão como um mero painel de “tempos de antena”, além de vergonhosamente redutor, reflecte a mediocridade de uma classe política sem vontade nem talento para olhar o mundo à sua volta.