O décimo disco do compositor georgiano Giya Kancheli (n. 1935) para o catálogo da ECM apresenta duas obras corais, entre ambas passando memórias e reflexões sobre a guerra. Iluminadas pela espiritualidade característica da sua obra (e que frequentemente vale ao compositor justificadas comparações com contemporâneos como Arvo Pärt ou John Tavener), as duas peças reflectem tempos e lugares distintos, partilhando contudo as mesmas assombrações. Amao Omni (georgiano para “guerra absurda”) é uma meditação para vozes e quarteto de saxofones que parece cruzar a desolação de paisagens devastadas com a intensidade de coros herdeiros da tradição monástica ortodoxa. Em algumas passagens, a peça reflecte ainda alguma afinidade com a música de Philip Glass. Já Little Imber é uma obra “site specific”, criada para ser apresentada na pequena povoação de Imber (no Reino Unido), durante um festival que ali ocorreu em 2003. Imber é uma cidade-fantasma desde que, em 1943, foi evacuada para ali permitir a criação de um campo de treino militar. Pela música correm ecos de uma lamentação que transcende o local evocado, transgredindo a sua geografia pela discreta presença de marcas de tradições folk do leste europeu. Este jogo de referências sublinha afinidades encontradas entre a pequena cidade fantasma e lugares magoados pela guerra na sua Geórgia natal.
Giya Kanchelli é o compositor vivo mais célebre da Geórgia (e talvez o criador internacionalmente mais reconhecido do seu país). A sua obra, que remonta a inícios da década de 60, traduz uma personalidade que resistiu aos modelos de “realismo” aprovados pelo poder soviético. A sua formação aceitou contido a sugestão “oficial” de estudo das marcas das músicas regionais, que aprendeu em simultâneo com as tradições da música ocidental. Como outros compositores soviéticos (entre os quais Shostakovich) usou a música para cinema, menos filtrada pelos “ouvidos” oficiais, como espaço de ensaio de ideias. Ao todo compôs 38 bandas sonoras, na sua esmagadora para filmes sem representação nos circuitos internacionais. Entre as décadas de 70 e 80 assinou sete sinfonias, a última datada de 1986. Chamou-lhe “Epílogo”, como que a encerrar um capítulo formal na sua obra, o que não representou necessariamente um afastamento da composição de música orquestral. Depois da queda do poder comunista mudou-se para o ocidente, vivendo desde 1995 na Bélgica. Mantém contudo uma relação próxima com o seu país Natal e, inclusivamente, laços profissionais, tendo desempenhado, durante algum tempo, as funções de director musical de um teatro em Tiblissi. Nos últimos anos tem apresentado peças orquestrais, de câmara e corais, gravando-as para o catálogo da ECM, no qual já lançou dez discos.
Imber é uma pequena povoação numa região interior do Sul de Inglaterra. Em 1943, já a pensar no desembarque aliado na Normandia, os seus 160 habitantes foram evacuados para ali ser montado um campo de treinos militares que ainda é usado regularmente para exercícios. A povoação, hoje um amontoado de casas vazias e uma igreja, acolhe visitantes apenas alguns dias por ano. A igreja realiza um serviço religioso anual, ao qual comparecem velhos habitantes e seus descendentes. Neste momento aguarda a continuação de obras de restauro iniciadas este ano. A peça Little Imber, de Giya Kancheli, foi encomendada para um festival que ali teve lugar em 2003.