sábado, dezembro 20, 2008

Glenn Close: cinema vs. televisão

Que significado têm, ou podem ter, o "cinema" e a "televisão" na carreira de um actor ou actriz? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 de Dezembro), com o título 'A propósito de Glenn Close'.

Quando vemos Glenn Close a protagonizar a série Sem Escrú-pulos/Damages (AXN), é quase inevitável evocar o tradicional discurso mediático: eis a televisão a oferecer espaço a uma grande senhora vinda do cinema. Assim é, de facto. Estamos perante uma actriz que deixou a marca do seu imenso talento em títulos como Atracção Fatal (1987) ou Ligações Perigosas (1988), filmes que, além do mais, lhe valeram duas das suas cinco nomeações para os Oscars (sem nunca vencer). Aliás, a televisão parece ecoar o fulgor de tal carreira, uma vez que o papel de Glenn Close em Sem Escrúpulos lhe valeu, este ano, um Emmy de melhor actriz em série dramática. Algo de semelhante se dirá, por exemplo, de James Woods. Também duas vezes nomeado para os Oscars, o actor de Videodrome (1983), de David Cronenberg, ou Salvador (1986), de Oliver Stone, lidera agora uma outra série de sucesso, A Lei do Mais Forte/Shark (Fox).
Em boa verdade, creio que estamos a cair num paternalismo muito típico do próprio imaginário televisivo. De facto, o retrato da advocacia proposto em Sem Escrúpulos é um daqueles labirintos de pequenos truques e “surpresas” que não aguenta qualquer confronto com os mecanismos de suspense (televisivo, justamente) que Hitchcock colocou em marcha na sua série Alfred Hitchcock Apresenta... já lá vai mais de meio século. Quanto a A Lei do Mais Forte, também sobre advogados e tribunais, a sua retórica é ainda mais facilmente desmontável: a câmara mexe-se muito apenas para criar a ilusão de que estão a acontecer muitas coisas. Compare-se com a série Perry Mason (cujos primeiros episódios também vêm de meados da década de 50) e veja-se como tudo isso já foi feito com outra contenção e, sobretudo, com outra subtileza dramática.
Que acontece, então? Mesmo não esquecendo que, hoje em dia, o mundo das séries televisivas possui uma espantosa diversidade, aquilo a que assistimos em casos como estes reflecte uma peculiar forma de parasitismo artístico. Que é como quem diz: a televisão serve-se dos actores (de cinema) como caução para variações narrativas de grande preguiça criativa e risco nulo. Decididamente, importa não esquecer que o cinema existe.