sábado, dezembro 20, 2008

Memórias de Amália em estúdio

Foto de Paulo Spranger
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Há 11 anos fomos surpreendidos com um disco que hoje contamos entre os melhores da obra de Amália. Com o título Segredo, o álbum reunia gravações dos anos 60 e 70 que Hugo Ribeiro guardou, apesar de na época Amália lhe ter pedido que as apagasse... O mesmo técnico, que gravou tantos dos seus discos, confirmou ao DN que outros inéditos da fadista existem ainda por editar em disco. "Há algumas ainda por sair. Canções novas mesmo... Eu tenho um LP das coisas antigas, dos filmes antigos portugueses que ainda não saiu. Está completo...", revela Hugo Ribeiro.

Alguns destes inéditos, como os que descobrimos nesse disco de 1997, existem porque Hugo Ribeiro guardou as gravações. "A Amália ia gravando e, quando não gostava do que tinha feito nesse dia, dizia-me para apagar... É claro que, quando eu gostava, porque cada um tem a sua opinião, achava que não devia apagar. E entre 1965 e 1975 passei a vida a guardar gravações da Amália, sem ela saber", confessa. Um dia juntou o que "achava que era bom" e mostrou a Rui Valentim de Carvalho. Logo a seguir mostrou as gravações à própria Amália. "E ela agarrou-se a mim a chorar. Nem se lembrava daquilo! Agradeceu-me imenso, ficou encantada. E com a autorização dela, editámos o disco." Surge assim, em 1997, esse Segredo, hoje apontado como sendo o último disco de Amália. "Neste disco ela estreou-se a cantar o Medo, que é com música do Alain [Oulman]. E há também outra, que ela cantou várias vezes, mas daquela vez ainda melhor, que se chama Cansaço. No disco ela cantou ainda, e completo, o Não É Desgraça Ser Pobre. Havia uma das quadras que ela habitualmente não cantava… E naquele dia pedi-lhe que cantasse aquilo inteiro… Que me fizesse o favor… Tinha confiança para isso". Ou seja, e como o próprio conclui, "acabaríamos por deitar fora algumas das melhores gravações dela".

Hugo Ribeiro é o decano dos profissionais dos estúdios de gravação portugueses, admirado por tudo e por todos. Pelas suas mãos foram gravados muitos discos que fizeram a história da música deste país, entre os quais vários dos álbuns e singles de Amália Rodrigues. Gravou-a pela primeira vez em 1946, então ainda para edição em discos de 78 rotações. Sentiu já nessa altura o enorme potencial na voz da fadista que então ainda descobria o estúdio. Mas aponta o seu apogeu aos 40 anos. "Continuava a ter a voz aguda quando era preciso e tinha uns graves que não tinha ainda quando era mais nova, e que ganhou com a idade", explica Hugo Ribeiro .
São muitas as histórias que Hugo Ribeiro conta das sessões de estúdio com Amália. Poucos talvez imaginem que voz da fadista chegou a ser registada num gravador de fita, em mono, "que serviu em Abbey Road [em Londres] para gravar os Beatles". Algumas gravações chegaram a ser feitas no primeiro andar da Valentim de Carvalho, na Rua Nova do Almada, "numa sala de pianos muito grande. Uns eram para concertos, outros para vender". Nem todas as sessões de gravação eram fáceis. "Às vezes estava com a voz muito boa, mas sem disposição para gravar. Era uma mulher de grande sinceridade. Se sentia que não estava bem, dizia logo", recorda. Voltava no dia seguinte. "E uma vez gravou assim o Com Que Voz, que foi o disco mais premiado dela. E gravámos todo o LP em duas noites! Nem foi preciso repetir". As sessões de trabalho, por vezes, eram longas. "Começavam pelas cinco da tarde. A Amália levava comida já feita. Uns carapaus de escabeche que eram bem bons, um queijo da serra... E o champangne! "



Excerto do documentário Amália: Estranha Forma de Vida, de Bruno de Almeida, recentemente editado em DVD (naturalmente na versão original, em português). Aqui se vêm imagens de época de Amália em estúdio. Depois, reflexões sobre como gravava. E ainda imagens de uma actuação televisiva nos anos 50.

PS. O texto deste post foi publicado no DN a 9 de Dezembro de 2008