1945
Acontece, por certo, com todos os pintores. Mas ver um panorama dos primeiros trabalhos daquele que é, porventura, o maior pintor vivo, Lucian Freud (n. 1922), é um acontecimento que possui algo de um abalo perturbante, ao mesmo tempo que nos impele para a sereníssima constatação do nascimento de um universo tão pessoal, e tão radical, que, no limite, dispensa qualquer relação com qualquer referência artística e patrimonial que o "justifique".
Aconteceu nas três salinhas de uma galeria de Londres, na zona da St. James Street — Hazlitt Holland-Hibbert (38, Bury Street) —, através da descoberta de cerca de quatro dezenas de trabalhos dos anos 40/50 ('Early works 1940-1958'). Por um lado, podemos confirmar que a figuração humana nunca foi, para Freud, uma questão para resolver, mas sim um caminho a desbravar; por outro lado, desde os trabalhos a tinta da china até aos primeiros óleos, sentimos que ele andou à procura de uma materialidade do traço que, em última instância, nos remete para a sua paisagem mais obsessiva: a pele.
Pássaros e retratos, corpos que sugam todo o cenário ou cenários tratados como entidades corporais, os quadros da juventude de Freud são a fascinante manifestação de um olhar que aceita a sua própria deriva e respectivos impasses (há mesmo um incrível auto-retrato que ficou pelas pinceladas centrais que definem a intensidade do olhar, no resto branco da tela apenas sobrando os traços do esboço inicial).
Em tempos de tanto niilismo, Freud não nos dá nenhuma redenção nem nos oculta o desespero de nenhum vazio. Mas mesmo quando é a morte o seu tema directo, há sempre alguma forma de pele que nos faz voltar a acreditar na pintura e, através dela, na vida. Não há muitos artistas capazes de nos afectar assim.