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O blockbuster americano impôs-se como padrão dominante do mercado cinematográfico há mais de trinta anos, a partir de Tubarão (1975), de Steven Spielberg. É um modelo de espectáculo que já gerou espantosos objectos de cinema como Parque Jurássico (1993) ou Matrix (1999), mas a sua persistência tem dependido menos de opções criativas interessantes e mais de conceitos de marketing que “viciaram” todos os circuitos cinematográficos.
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Por feliz paradoxo, Crepúsculo não deixa de ser um filme eminentemente moderno, avançando com um retrato da juventude que resiste às convenções correntes, de raiz televisiva, que fazem de cada adolescente um pateta armado de hormonas e telemóveis (veja-se as telenovelas “juvenis” — exemplo — e repare-se como a descrição apenas peca por defeito). Podemos mesmo considerar que o filme de Hardwicke aplica os seus pretextos fantásticos para lançar uma espécie de “anti-ficção” juvenil em que o primado da sexualidade, embora sem ser negado, se apresenta transfigurado numa singular secundarização da actividade sexual.
Há uma justificação clássica, e classicamente simbólica, para esse efeito: o vampiro Edward (Robert Pattinson) não pode sugar o sangue da sua amada, a muito humana Bella (Kristen Stewart), sob pena de a transformar em mais uma figura assombrada [ambos na foto, em cima]. O certo é que Hardwicke sabe utilizar o dispositivo “obrigatório” do filme de vampiros para encenar um amor de perdição que se distingue pelo seu convulsivo pudor. Na prática, isso faz de Crepúsculo um verdadeiro objecto de resistência à banalização hedonista de muitas personagens adolescentes. Em vez de escravos da sua (in)satisfação, estas são personagens cujo prazer nasce da suspensão do êxtase sexual. Mais uma razão para descrevermos Crepúsculo como um filme saborosamente “antigo”, ou melhor, construído a partir de um provocatório anacronismo ético e estético.