sábado, dezembro 13, 2008

Antes bem acompanhada que só

Foi uma das figuras mais marcantes da swinging London de meados de 60. Mas as histórias da sua vida pessoal acabaram a década com mais protagonismo que aquele que antes havia conquistado ao som de This Little Bird ou Come And Stay With Me. 40 anos depois, a música reparte com o cinema o mediatismo de uma das mais aclamadas veteranas da pop inglesa. E um ano depois de ter aceite o desafiante papel principal em Irina Palm (de Sam Garbarski), um disco devolve-a aos jornais. Tem por título Easy Come Easy Go e é uma colecção de 18 versões de canções que, à partida, não pareceriam ter nada em comum entre si. Até que se encontraram na voz de Marianne Faithfull.

A obra recente da cantora tem acentuado um antigo gosto pelo trabalho em colaboração. Reconhecendo os seus limites, Marianne Faithfull desde sempre se assumiu como essencialmente uma intérprete, da sua lavra co-assinando algumas canções, entre as quais o clássico Sister Morphine, que os Rolling Stones gravaram em 1971 no álbum Sticky Fingers. A dupla Jagger/Richards foi, na verdade, a sua primeira equipa de colaboradores. De resto, muitos deram pela sua voz quando, em 1964, cantou As Tears Go By, um original de Mick Jagger e Keith Richards para si criado. Marianne também contribuiu para a obra dos Stones, ora cantando Something Better no programa para a televisão Rock and Roll Circus, ora, indirectamente, inspirando temas como Sympathy For The Devil (que partiu de um livro que a cantora deu a ler a Jagger) ou You Can't Always Get What You Want.
Nos anos 70, depois do afastamento dos Rolling Stones, chegou a colaborar com David Bowie, actuando na televisão ao som de uma versão de I Got You Babe. A sua vida mergulhou a seguir na etapa mais sombria de sempre, vivendo dois anos, sem rumo, nas ruas de Londres, desamparada entre uma profunda dependência de drogas e uma saúde debilitada, que chegou a obrigar a um internamento. Apesar de pontuais gravações. é "salva" em 1979 por novo esforço de colaboração, em particular com o guitarrista Barry Reynolds, que escreve algumas das canções do álbum Broken English.

Os anos 80 e 90 acolhem o regresso à forma sugerido em Broken English, cabendo a uma nova colaboração o definitivo reencontrar de um caminho. Aconteceu em 1987 com Hal Wilner em Strange Weather, disco que revela uma nova mulher, reencontrada consigo e de pazes feitas com o mundo ao seu redor. Com uma voz que traduzia os anos vividos, sobretudo numa nova versão, grave e assombrada, do "velho" êxito de 1964, As Tears Go By. O trabalho com outros músicos manteve-a aberta a experiências, seja na revisão de matérias dadas (como na versão de palco de The Wall, com Roger Waters, a assinalar a queda do Muro de Berlim, em 1990), seja na novidade, num álbum em parceria com Angelo Badalamenti: A Secret Life. Nos últimos anos, todos os seus discos têm nascido de parcerias criativas. Com Daniel Lanois, Emmylou Harris ou Roger Waters em Vagabond Ways (2000), Beck, Damon Albarn ou Billy Corgan em Kissin'Time (2002) ou PJ Harvey e Nick Cave, em Before The Poison (2005). O novo Easy Come Easy Go não foge à regra. Mas no lugar dos inéditos que para si foram criados nestes últimos discos, desta vez escolheu versões. Velhos parceiros como Hal Wilner, Nick Cave ou Keith Richards juntam-se a novos "amigos" como Rufus Wainwright, Cat Power ou Antony Hegarty, num disco de sabor clássico, que reinventa canções como Somewhere (de West Side Story) ou How Many Worlds (de Brian Eno). O álbum surge depois de uma pausa anunciada como forçada por exaustão física e psicológica. E assinala o final feliz de uma breve luta contra um tumor. Um tranquilo canto de vitória da vida, por uma mulher que não gosta de desistir.



Imagens que acompanharam, em 1979, o lançamento de Ballad Of Luck Jordan, um dos três singles extraídos do marcante álbum Broken English, disco que assinalou um renascimento na carreira de Marianne Faithfull.

PS. Este texto foi publicado no DN a 9 de Novembro