Que valores se encenam, difundem e promovem nos concursos de televisão? Eis uma pergunta que, infelizmente, poucas vezes é formulada — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 de Novembro), com o título 'Cultura geral'.
Sou um mau espectador de concursos. Por vezes, como no caso de A Roda da Sorte (SIC), com Herman José, reconheço que a personalidade do apresentador pode enriquecer um formato de simpática ligeireza (um jogo de adivinhas, afinal). Na maior parte dos casos, os concursos parecem-me exercícios de indigência mental, escudados na promoção da chamada cultura geral. Porquê? Porque a noção muito televisiva de “cultura geral” favorece uma banal visão enciclopedista do saber humano e, em particular, da relação com as obras artísticas. Afinal de contas, que importância tem identificar Marlon Brando como protagonista de Um Eléctrico Chamado Desejo (1951) se não se compreender, minimamente, que aí começa uma revolução estética cujos efeitos temáticos e formais permanecem actualíssimos?
Vem isto a propósito de Jogo Duplo (RTP1), concurso apresentado por José Carlos Malato. Mais uma vez, tudo passa por perguntas da dita cultura geral, mas com uma nuance que está longe de ser indiferente. Como o próprio apresentador explica num video disponível no site do concurso, não se trata apenas de responder bem, mas de tentar enganar os outros concorrentes, dando a ideia “de que sabemos mais do que os outros”.
Na prática, isto implica a celebração da capacidade de cada ser humano lutar pela vitória, não a partir da afirmação das suas potencialidades, mas sim através do logro com que pode arrastar os outros. E não deixa de ser interessante verificar que as televisões gastem tempos infindos na discussão da “intenção” com que um jogador de futebol derrubou outro dentro da área e não se reflicta, nem que seja por um breve momento, sobre a intencionalidade de tudo isto. Mais uma vez, o site de Jogo Duplo é esclarecedor, sublinhando que para ganhar “é preciso uma boa dose de cultura geral, ser-se de ferro, ter nervos de aço e... uma grande lata!”.
É um formato internacional, eu sei. Mas, pelo menos desde o Big Brother, com o seu militante menosprezo pela mais básica dignidade humana, a “internacionalização” seja do que for é uma péssima justificação para não discutirmos os seus valores e respectivas implicações sociais.
Sou um mau espectador de concursos. Por vezes, como no caso de A Roda da Sorte (SIC), com Herman José, reconheço que a personalidade do apresentador pode enriquecer um formato de simpática ligeireza (um jogo de adivinhas, afinal). Na maior parte dos casos, os concursos parecem-me exercícios de indigência mental, escudados na promoção da chamada cultura geral. Porquê? Porque a noção muito televisiva de “cultura geral” favorece uma banal visão enciclopedista do saber humano e, em particular, da relação com as obras artísticas. Afinal de contas, que importância tem identificar Marlon Brando como protagonista de Um Eléctrico Chamado Desejo (1951) se não se compreender, minimamente, que aí começa uma revolução estética cujos efeitos temáticos e formais permanecem actualíssimos?
Vem isto a propósito de Jogo Duplo (RTP1), concurso apresentado por José Carlos Malato. Mais uma vez, tudo passa por perguntas da dita cultura geral, mas com uma nuance que está longe de ser indiferente. Como o próprio apresentador explica num video disponível no site do concurso, não se trata apenas de responder bem, mas de tentar enganar os outros concorrentes, dando a ideia “de que sabemos mais do que os outros”.
Na prática, isto implica a celebração da capacidade de cada ser humano lutar pela vitória, não a partir da afirmação das suas potencialidades, mas sim através do logro com que pode arrastar os outros. E não deixa de ser interessante verificar que as televisões gastem tempos infindos na discussão da “intenção” com que um jogador de futebol derrubou outro dentro da área e não se reflicta, nem que seja por um breve momento, sobre a intencionalidade de tudo isto. Mais uma vez, o site de Jogo Duplo é esclarecedor, sublinhando que para ganhar “é preciso uma boa dose de cultura geral, ser-se de ferro, ter nervos de aço e... uma grande lata!”.
É um formato internacional, eu sei. Mas, pelo menos desde o Big Brother, com o seu militante menosprezo pela mais básica dignidade humana, a “internacionalização” seja do que for é uma péssima justificação para não discutirmos os seus valores e respectivas implicações sociais.