domingo, novembro 16, 2008

A música ao serviço do cinema

Clássicos do século XX - 6
'Alexandre Nevsky', Sergei Prokofiev
(1938)

Criada para a banda sonora do filme de 1938, Alexandre Nevsky, de Sergei Eisenstein, a cantata homónima de Sergei Prokofiev (1891-1953) é um dos exemplos maiores da fértil história de bom relacionamento da música com o cinema. Da música, cuja gravação para o filme o próprio compositor acompanhou, usando técnicas de posicionamento de microfones com vista à obtenção de efeitos cénicos, Prokofiev criou depois uma cantata, que desde então tem conhecido diversas gravações e ainda hoje integra programas de concertos. Esta cantata é a janela mais recomendável para o reencontro com o trabalho original já que o filme apresenta uma qualidade técnica de som que em nada faz jus à música que o serve. Apesar de ter havido uma edição em vídeo com banda sonora regravada, as edições em DVD do filme de Eisenstein apresentam o som original.

Uma das figuras mais notáveis do século XX musical russo, Prokofiev cedo mostrou ser um talento precoce. Pouco depois de completar o conservatório conheceu Starvinsky em Londres. Em 1918, em plena convulsão bolchevique, partiu para os EUA, fixando dois anos depois residência em Paris. Nos anos 30 reatou um relacionamento com a “pátria”, aceitando encomendas e actuando várias vezes em Moscovo. Regressou definitivamente em 1935 e, apesar de ter sofrido depois na pele a manipulação das artes pelo poder estalinista (que proibiu alguns dos seus trabalhos), assinou em finais da década de 30 algumas das suas obras maiores. Uma delas, a banda sonora para o filme de Eisenstein (com quem voltaria a trabalhar, poucos anos depois, em Ivan, O Terrível). O filme, que evoca um herói russo do século XIII, que fez a paz com os mongóis e depois venceu os cavaleiros teutónicos numa histórica batalha sobre o gelo, perto de Pskou, levou Prokovief a desenvolver uma série de soluções musicais com força descritiva, aplicando aos invasores germânicos uma tonalidade belicista sugerida pelos metais (gravados perto dos microfones no limiar da distorção), caracterizando depois os russos com melodias de inspiração folk.

O filme nasceu de uma “sugestão” de Estaline com vista a chamar a atenção dos russos para a iminente ameaça alemã. A ideia da memória de uma vitória histórica numa batalha de 1242, que revelou a força do povo russo, que superou em número os cavaleiros invasores e os conduziu à derrota, sugere ligações evidentes aos cenários temidos em finais de 30. O pacto de não agressão assinado por Estaline conduziu ao cancelamento da exibição do filme, arrancado da pós-produção ainda na fase de montagem do som (daí muita da sua falta de qualidade técnica). A mudança de relacionamento com os alemães depois da invasão de 1941 devolveu então o filme à vida.



Imagens da sequência da batalha sobre o gelo, a sequência central do filme e, consequentemente, o momento-chave da própria música (aqui apresentada na versão original, evidenciando a debilidade técnica do som). Do silêncio da espera, da contemplação do vazio do mar gelado, ao confronto, a aproximação da ameaça é sublinhada pelo crescendo de intensidade dos metais, vincando a caracterização belicista adoptada por Prokovief para “descrever” os cavaleiros teutónicos.