quinta-feira, novembro 20, 2008

Manuela Ferreira Leite: como dizer?...

A gaffe de Manuela Ferreira Leite, sobre o eventual "interrupção" da democracia por "seis meses" (ver notícias do Público e do Diário de Notícias), desencadeou as esperadas agitações da cena política. Vale a pena questionar o funcionamento dessa cena e a sua articulação com os media — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 de Novembro), com o título 'A invasão da Albânia'.

A vulnerabilidade comove-me. Gosto de Manuela Ferreira Leite. O seu involuntário quadro de “stand-up comedy” veio confirmar que a rotina do humor português não passa de uma imitação banal do melhor que Herman José fez há pelo menos vinte anos. Gosto da inabilidade com que ela se lança para a boca do lobo. Estou a falar de quê? Do viver acelerado e tecnocrático que obriga a que se digam frases codificadas, de preferência ocas, destinadas à grelha de “sound-bytes” dos telejornais das oito da noite. Ela não sabe fazer isso. E, como é óbvio, vai ser trucidada na praça pública por não ser capaz de sustentar um ponto de vista perturbante (nada popular, convenhamos): o de que uma democracia que se demite de interrogar o seu sistema global de funcionamento corre o risco de se fragilizar.
Não vale a pena simplificar: foi um clamoroso desastre, desses que geram um imenso circo mediático sobre “intenções” e “linguagens” (circo a que este texto, malgré moi, também pertence). Na prática, a classe política vai ter alguns dias de descanso, denunciando o “escândalo” e dispensando-se de explicar aos eleitores como alguns aspectos da vida bancária em Portugal podem ser, de facto, verdadeiras ameaças à democracia. Como aquele estratega do filme Manobras na Casa Branca (1997) que, face aos escândalos do Presidente, propunha uma ficção “informativa”, a ser lançada nas televisões: “Invadimos a Albânia!” Que não houvesse motivo para justificar a invasão, eis um detalhe sem importância.