Com a morte de João Martins Pereira, aos 75 anos, vítima de cancro, desaparece um dos grandes pensadores portugueses que tentaram retomar o património teórico de Karl Marx, por um lado questionando a evolução moderna do capitalismo, por outro lado apostando numa reinvenção do próprio conceito de esquerda.
A sua herança possui um valor inestimável, sobretudo num país como o nosso, tão globalmente enredado em maniqueísmos ideológicos de grande simplismo, sendo muitas vezes a dicotomia esquerda/direita um desses maniqueísmos (e não estou a tentar legitimar esta asserção através da obra do próprio JMP). Para vislumbrarmos a tristeza ideológica deste estado de coisas, bastará ler algumas reacções à sua morte, disponíveis no site do Público [de onde é extraída a foto que ilustra este post, da autoria de Dulce Fernandes].
Engenheiro de formação, fundador do MES (Movimento de Esquerda Socialista), secretário de Estado da Indústria e Tecnologia no IV Governo Provisório (1975), fortemente marcado pelo pensamento de Jean-Paul Sartre, JMP foi também jornalista, tendo criado um dos mais importantes — e também mais efémeros — jornais do pós-25 de Abril, a Gazeta da Semana (publicou-se entre Abril de 1976 e Janeiro de 1977 e por lá passaram, entre outros, Adelino Gomes, Eduarda Dionísio, Joaquim Furtado e Jorge Almeida Fernandes).
O seu livro Pensar Portugal Hoje, lançado em 1971, em plena "Primavera Marcelista", é uma obra de referência na analíse política e social do nosso país, reagindo aos clichés ideológicos provenientes de todos os quadrantes. Juntamente com Portugal e o Futuro (1974), de António de Spínola, e para além das suas muitas e radicais diferenças, Pensar Portugal Hoje pertence à galeria de obras fundamentais para compreender o país que, em 1974, pôs fim à Guerra Colonial.
>>> Sugere-se a leitura dos obituários assinados por José Vítor Malheiros (Público) e João Pedro Henriques (Diário de Notícias).