Editado em Maio deste ano, o álbum Fiesta! tornou-se rapidamente num dos "casos" da música clássica de 2008, empurrando definitivamente para a ribalta a Orquestra Sinfónica Simón Bolívar. A "festa" continua, agora com um documentário (em DVD) que mostra os bastidores desta invulgar orquestra. Esta não é mais que um colectivo juvenil que nasce do sucesso de um programa educativo venezuelano habitualmente referido por "El Sistema". O protagonista do disco é Gustavo Dudamel, maestro com 27 anos que representa a maior das revelações do "sistema". Maestro que hoje dirige a Sinfónica de Gotemburgo, edita pela Deutsche Grammophon e, a partir de Setembro de 2009, assumirá o lugar de director artístico da Filarmónica de Los Angeles. No disco, Dudamel e a Orquestra Simón Bolívar propõem uma viagem por obras e compositores através dos quais se oferece um retrato da música erudita latino-americana do século XX, aos quais se junta uma peça de do norte-americano Leonard Bernstein (o Mambo, de West Side Story), compositor atento às heranças da música latina. Em palco os músicos dançam, sorriem, fazem malabarismos com os instrumentos. Uma festa que, mesmo em áudio, se sente a cada compasso.
A ideia foi lançada nos anos 70 por José António Abreu, um professor de Economia e músico amador, propondo este um projecto simultaneamente musical e de apoio social. "El Sistema" (abreviação popular para Fundación del Estado para el Sistema Nacional de las Orquestras Juveniles e Infantiles de Venezuela) é um programa que, desde então, procura auxiliar jovens nascidos em famílias com dificuldades económicas extremas. A ajuda chega na forma de um programa gratuito de ensino musical, a cada jovem atribuindo um instrumento e, desde logo, um lugar numa orquestra. Os mais novos iniciam o seu percurso de aprendizagem em orquestras infantis, evoluindo (com a idade e a técnica) para orquestras juvenis. Escolhidos entre os melhores das diversas orquestras espalhadas pelo país, os músicos da Orquestra Sinfónica Simón Bolívar representam o topo deste "sistema" de ensino. Um sistema que, além de Gustavo Dudamel (na foto), já revelou instrumentistas como Joen Vasquez (violetista da Sinfónica de Pittsburgh e membro do quarteto Il Quatro), Edward Pulgar (violinista em duas orquestras americanas e maestro da Sinfónica de Knoxville), Natalia Luis-Bassa (maestrina que neste momento dirige três orquestras inglesas) ou Edicson Ruiz, este último, aos 17 anos, o mais jovem contrabaixista de sempre da Filarmónica de Berlim.
Apesar de uma vida antiga, já com discos gravados, a Simón Bolívar ganhou maior visibilidade internacional depois da nomeação, em 1999, de Dudamel como seu maestro. A contratação do jovem venezuelano pela Deutsche Grammophon já se traduziu em três discos. Além de Fiesta!, a DG lançou gravações da 5.ª Sinfonia de Mahler e das 5.ª a 7.ª de Beethoven (estas duas num mesmo CD).
Agora, um documentário de Enrique Sánchez Lansch revela os bastidores de uma ideia de sucesso. The Promise of Music não é o primeiro filme feito sobre o "sistema", que hoje envolve cem mil jovens venezuelanos, divididos entre perto de 200 orquestras infantis e juvenis. A vontade de fazer o filme surgiu quando o realizador conheceu Edicson Ruiz, que recentemente havia sido contratado pela Filarmónica de Berlim. As histórias do "sistema" e da Simón Bolívar, que o contrabaixista lhe contou, pediam que alguém as revelasse ao mundo. E foi isso o que Enrique Sánchez Lansch fez. Partiu para a Venezuela, começando por visitar o Centro, num bairro pobre de Caracas, que é sede de trabalhos, partindo depois para cidades de província, para conhecer as orquestras na base de todo este projecto. Com mais curiosidade pelas histórias de vida dos músicos que encontra, que pelas obras que interpretam, o filme apresenta-nos casos de jovens que encontraram na música uma profissão que nunca haviam imaginado antes de lhes ser entregue um primeiro instrumento. The Promise of Music acompanha ainda a orquestra numa viagem à Europa, para uma actuação em Bona, na Beethoven-Halle.Imagens do encore de uma actuação da Simón Bolívar, dirigida por Dudamel, em 2007 nos Proms (no londrino Royal Albert Hall). Depois do programa, durante o qual se vestiam a rigor, para o encore os músicos e maestro apresentam-se com casacos de fato de treino com as cores da bandeira venezuelana. E aqui apresentam uma versão verdadeiramente festiva do Mambo, das Danças Sinfónicas de West Side Story, de Leonard Bernstein.
A Orquestra Sinfónica Simón Bolívar é, entretanto, um dos nomes que encontramos na agenda de concertos da presente temporada de música da Gulbenkian. A 25 de Abril, com Dudamel a dirigir, a orquestra estará em Lisboa, para actuar no Coliseu dos Recreios.
PS. Versão editada e acrescentada de um texto originalmente publicado no DN