Bernard e Doris, com Susan Sarandon e Ralph Fiennes [foto], é um caso exemplar das qualidades da produção da HBO — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 de Novembro), com o título 'Filmes e telefilmes que "ninguém" vê'.
Há dias, na noite de quinta para sexta-feira, num dos canais da televisão por cabo (MOV), passou o telefilme Bernard e Doris, uma produção de 2007 dirigida por Bob Balaban, com Susan Sarandon e Ralph Fiennes. Nele se evoca uma personagem mítica do imaginário americano: a multimilionária Doris Duke (1912-1993) que deixou o essencial da sua fortuna, e também a gestão das suas fundações, a Bernard Lafferty, o seu mordomo.
Produzido pela HBO, Bernard e Doris é uma subtil travessia da intimidade das suas personagens centrais, construindo-se como uma espécie de bizarro melodrama. Doris, herdeira da fortuna de uma magnate da indústria do tabaco, foi alguém que viveu uma existência de crescente solidão, acabando por encontrar em Bernard um verdadeiro anjo da guarda que a acompanhou até à morte. O álcool acabou por desenhar um insólito traço de união entre ambos, tanto mais que Bernard, durante muito tempo, tentou esconder a sua própria dependência. Ao mesmo tempo, Bernard vive a sua homossexualidade num misto de contenção e dor, enquanto olha com indulgência os excessos de Doris, procurando protegê-la das atribulações da sua vida amorosa. A pouco e pouco, as suas diferenças acabam por gerar uma relação que o filme trata como uma pudica história de amor.
Em tudo e por tudo, Bernard e Doris é um filme de actores. Desde logo porque é esse o trabalho principal de Bob Balaban [foto]: já o vimos, por exemplo em filmes de Steven Spielberg (Encontros Imediatos do Terceiro Grau, 1977), Sydney Pollack (A Calúnia, 1981), Woody Allen (Alice, 1990) ou Robert Altman (Gosford Park, 2001). A realização de Balaban serve, antes de tudo o mais, o trabalho específico de representação, resistindo tanto à sedução mais imediata dos sumptuosos cenários como à possibilidade de fabricar uma pesada parábola “moral”. Sarandon e Fiennes são brilhantes: ela assumindo a vibração própria de alguém que, no fundo, conhece as ambivalências do seu imenso poder financeiro; ele compondo uma figura errática, mas determinada, compensando na ordenação do quotidiano as feridas da sua desordem interior.
Ao descobrir Bernard e Doris, não pude deixar de pensar como as imagens cinematográficas e televisivas passaram a existir numa espécie de indiferença generalizada (o filme chegou a estar previsto para as salas americanas, mas acabaria por estrear directamente na HBO, no passado dia 9 de Fevereiro). Dir-se-ia que já não existem mecanismos, não apenas publicitários, mas sociais, capazes de valorizar a singularidade dos objectos de cinema e televisão. Neste caso, para além dos nomes envolvidos, tratava-se mesmo de um filme com dez nomeações para os Emmys (embora sem nenhuma distinção).
É bem certo que cresceu a pluralidade da oferta, mas sem que tenha crescido a diversidade das promoções. Generalizando (e, por isso, simplificando), por vezes parece que nas salas de cinema só há “blockbusters”, ao mesmo tempo que as televisões apenas se interessam pela promoção de telenovelas e produtos afins. Provavelmente, Bernard e Doris até foi visto por muitos espectadores... Ainda assim, é forçoso reconhecer que as suas qualidades não fazem parte das prioridades do mercado audiovisual.
Há dias, na noite de quinta para sexta-feira, num dos canais da televisão por cabo (MOV), passou o telefilme Bernard e Doris, uma produção de 2007 dirigida por Bob Balaban, com Susan Sarandon e Ralph Fiennes. Nele se evoca uma personagem mítica do imaginário americano: a multimilionária Doris Duke (1912-1993) que deixou o essencial da sua fortuna, e também a gestão das suas fundações, a Bernard Lafferty, o seu mordomo.
Produzido pela HBO, Bernard e Doris é uma subtil travessia da intimidade das suas personagens centrais, construindo-se como uma espécie de bizarro melodrama. Doris, herdeira da fortuna de uma magnate da indústria do tabaco, foi alguém que viveu uma existência de crescente solidão, acabando por encontrar em Bernard um verdadeiro anjo da guarda que a acompanhou até à morte. O álcool acabou por desenhar um insólito traço de união entre ambos, tanto mais que Bernard, durante muito tempo, tentou esconder a sua própria dependência. Ao mesmo tempo, Bernard vive a sua homossexualidade num misto de contenção e dor, enquanto olha com indulgência os excessos de Doris, procurando protegê-la das atribulações da sua vida amorosa. A pouco e pouco, as suas diferenças acabam por gerar uma relação que o filme trata como uma pudica história de amor.
Em tudo e por tudo, Bernard e Doris é um filme de actores. Desde logo porque é esse o trabalho principal de Bob Balaban [foto]: já o vimos, por exemplo em filmes de Steven Spielberg (Encontros Imediatos do Terceiro Grau, 1977), Sydney Pollack (A Calúnia, 1981), Woody Allen (Alice, 1990) ou Robert Altman (Gosford Park, 2001). A realização de Balaban serve, antes de tudo o mais, o trabalho específico de representação, resistindo tanto à sedução mais imediata dos sumptuosos cenários como à possibilidade de fabricar uma pesada parábola “moral”. Sarandon e Fiennes são brilhantes: ela assumindo a vibração própria de alguém que, no fundo, conhece as ambivalências do seu imenso poder financeiro; ele compondo uma figura errática, mas determinada, compensando na ordenação do quotidiano as feridas da sua desordem interior.
Ao descobrir Bernard e Doris, não pude deixar de pensar como as imagens cinematográficas e televisivas passaram a existir numa espécie de indiferença generalizada (o filme chegou a estar previsto para as salas americanas, mas acabaria por estrear directamente na HBO, no passado dia 9 de Fevereiro). Dir-se-ia que já não existem mecanismos, não apenas publicitários, mas sociais, capazes de valorizar a singularidade dos objectos de cinema e televisão. Neste caso, para além dos nomes envolvidos, tratava-se mesmo de um filme com dez nomeações para os Emmys (embora sem nenhuma distinção).
É bem certo que cresceu a pluralidade da oferta, mas sem que tenha crescido a diversidade das promoções. Generalizando (e, por isso, simplificando), por vezes parece que nas salas de cinema só há “blockbusters”, ao mesmo tempo que as televisões apenas se interessam pela promoção de telenovelas e produtos afins. Provavelmente, Bernard e Doris até foi visto por muitos espectadores... Ainda assim, é forçoso reconhecer que as suas qualidades não fazem parte das prioridades do mercado audiovisual.