A poucas semanas das eleições de 4 de Novembro, na sua secção de cartas, a revista Time publicou uma intervenção de um leitor que justificava a sua escolha de John McCain deste modo: "Obama fala com calma simplesmente porque não sabe o que dizer, enquanto McCain fala com raiva porque tem imenso para dizer." Não está em causa, como é óbvio, a legitimidade da preferência, muito menos a sinceridade que nela se transporta — o que surpreende é o facto de o espontaneísmo das interpretações afectivas (a raiva "justa" contra a calma "mentirosa") servir para justificar uma escolha política.
Dir-se-ia que o nosso mundo, com a sua proliferação de canais de comunicação (...mas para comunicar o quê?), criou esta apetência confusa pelas "evidências", em detrimento da compreensão da complexidade dos factos e das pessoas. Uma das variantes mais curiosas, e também mais deprimentes, dessa atitude, é o discurso catastrofista — o nosso espaço mediático promoveu mesmo a catástrofe à condição de sobremesa informativa do dia (basta cairem mais 10 milímetros de chuva que o normal para parecer que foi declarado o estado de sítio...).
No dia seguinte à vitória de Barack Obama, havia sinais disso mesmo nos espaços públicos de debate na rádio e na televisão. Assim, em tom de "eu bem vos avisei...", vários participantes vinham lembrar que: 1) - Obama pode ter andado a enganar este mundo e o outro; 2) - por não querer ou não poder, ele não vai fazer nada daquilo que prometeu; 3) - somos todos ingénuos por acreditar naquilo que nos dizem os políticos.
Claro que Obama se pode vir a revelar um Presidente que desiluda. Claro que sim. A questão não é essa. Não se trata de santificar seja quem for. Trata-se, isso sim, de observar que aquele discurso emerge independentemente de quem é visado — ou seja, se o resultado tivesse sido outro, não é arriscado supor que outros (os mesmos?) viriam acusar McCain de semelhantes pecados. De facto, o que está em jogo começa na nossa capacidade de dizermos/pensarmos a política de maneira diferente e, em especial, a nossa relação individual com o espaço político.
Obama pode vir a ser uma enorme desilusão. Claro que sim. Mas foi sobre essa reinvenção dos gestos políticos que o seu trabalho incidiu de forma específica, metódica e pedagógica — eis um dos seus videos mais pessoais (a locução é do actor David Strathairn).