segunda-feira, outubro 27, 2008

Viver e morrer com os nomes

Madonna
Oh, Father
Realização: David Fincher
1989

Que é um nome? Que está num num nome? Que significa herdar o nome da mãe? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 de Outubro), com o título 'Cantar e viver com o nome da mãe'.

Como muitas outras figuras públicas que consideramos “familiares”, Madonna é mal conhecida. Paradoxo? Sem dúvida, mas o nosso mundo mediático funciona assim: muita informação, pouco conhecimento. Aliás, o desconhecimento de Madonna é algo que afecta, antes de tudo o mais, o seu próprio trabalho. De facto, a sua obra está um pouco para além de Material Girl e um livro Sex (e mesmo que fosse só isso...). Entre as suas canções “esquecidas”, há uma que se dirige explicitamente ao pai. Chama-se Oh Father e pertence ao álbum Like a Prayer (1989). É um verdadeiro ajuste de contas simbólico. Há mesmo um verso que diz: “Nunca me amaste”. Ainda assim, a contundência de tais palavras não esgotam a canção. Os versos desembocam mesmo num despojado voto: “Talvez um dia / Ao olhar para trás seja capaz de dizer / Que não quiseste ser cruel / Também foste magoado por alguém”.
De que fala então Madonna, quando fala da família? Deste dominó de mágoas e dores que transmitimos uns aos outros, porventura sem sabermos que o estamos a fazer. No seu sistema criativo (e, em boa verdade, em toda a sua existência), o ponto de fuga é a presença, para sempre ausente, da mãe. Vitimada por um cancro da mama, morreu aos 30 anos, poucos meses depois de Madonna ter completado cinco anos. São muitas as declarações (e canções) em que Madonna nos remete para a memória escassa, mas muito precisa, da sua mãe. Em boa verdade, não seria preciso fazê-lo, já que a mãe se chamava... Madonna. Ou como o nome pode ser esse lugar despido onde nos cruzamos com a morte e sobrevivemos.