domingo, outubro 19, 2008

Retrato de um faraó

Clássicos do século XX - 4
'Akhnathen', de Philip Glass
(1983)

Inicialmente centrado na definição de uma linguagem entre os anos 60, até meados de 70, Philip Glass (n. 1937) encetou depois uma etapa de experimentação dos códigos entretanto desenvolvidos numa série de géneros e formas, a ópera tomando a partir de 1976 um espaço de evidente protagonismo na sua obra. Estreada em 1983, Akhnaten completou uma trilogia de óperas-retrato encetada em Einstein On The Beach (1976) e continuada depois em Satyagraha (1980), esta última centrada na figura de Ghandi. O interesse de Philip Glass pela figura do faraó Akenaton (inicialmente coroado como Amenófis IV) surgiu após a leitura de Moisés e o Monoteísmo, de Sigmund Freud e Édipo de Akhnaten, de Immanuel Velikóvski. Neles o faraó da 18ª dinastia (que se crê ter reinado entre os anos 1353 e 1336 a.C.) é sobretudo evocado pelo papel religioso que tomou, criando uma religião monoteísta centrada no culto de Aton, o deus Sol. Ópera em três actos, foi estreada em Hamburgo (Alemanha), só depois levada a cena em Nova Iorque.

Pensada para expor à plateia, através de uma sequência cronológica de eventos, a figura do faraó que governantes posteriores do Egipto tentaram apagar da história (pelo que apontavam como “heretismo” de uma religião abandonada pouco depois do seu reinado), Akhnaten começa por nos colocar perante o funeral do seu pai, o faraó Amenófis III. Segue-se a coroação do novo rei, a sua adopção do novo culto, a fundação de uma nova cidade dedicada ao Sol. Ao mesmo tempo que os sacerdotes da velha ordem conspiram, o faraó vive, com a família, mergulhado numa fé que o afasta progressivamente do mundo à sua volta. O ataque à cidade e a morte da família real chegam no fim da ópera, seguindo-se um epílogo no presente, no qual os espíritos do faraó, sua mulher, mãe e filhas pairam sobre as ruínas da sua cidade. Para o papel protagonista Philip Glass escolheu um contratenor (sublinhando um registo vocal pouco comum na época da estreia da ópera). Esta opção vinca o carácter andrógnio que conhecemos das representações de Akhenaton que chegaram aos nossos dias e que hoje são por alguns egiptólogos tidas não como resultado de uma malformação física, mas antes uma construção simbólica de um rei que, como o seu Deus, era pai e mãe de tudo e todos. Por seu lado, a opção de não usar violinos sublinha o carácter sombrio da tragédia que se apresenta.

Afastada do minimalismo de Einstein On The Beach, sublinhando a busca de um lirismo e de qualidades narrativas entretanto já experimentadas em Satyagraha, Akhnaten foi, na altura, o trabalho mais próximo da tradição operática de Philip Glass. A ópera, contudo, mantém firmes muitos dos seus princípios linguísticos, assim como segue ideias na construção do libreto que lhe permitem uma perfeita identificação com as duas outras obras que com esta completam a trilogia de óperas-retrato. Os cantores usam várias línguas, lendo e cantando textos oriundos de várias fontes, desde uma estela encontrada no túmulo de Ay (que se crê ter sido o penúltimo faraó da 18ª dinastia), textos biblícos e acádios, assim como fragmentos de recentes guias turísticos do Egipto. A narração, assim como o Hino ao Sol (a peça central da ópera) surgem na língua da plateia frente à qual a ópera é apresentada. Na gravação em disco editada em 1987 pela CBS Classics, toma o inglês (a língua do compositor) como referência. Nesta gravação, na qual Dennis Russel Davies dirige a Stuttgart State Opera, o papel protagonista cabe ao contratenor Paul Eswood.



Sem filmes de produções desta ópera disponíveis, propomos um encontro com um fragmento de Window Of Appearences (a cena final do primeiro acto de Akhnaten). As imagens provém de um clip disponível no YouTube no qual a música de Philip Glass (na gravação de 1987 já referida) é banda sonora para uma sequência de imagens do filme Alien Visitor, de Rolf de Hees.