Acaba de chegar ao mercado nacional de DVD um dos melhores (e entre nós menos mediatizados) dos filmes que tiveram estreia em salas portuguesas este ano. Trata-se do absolutamente surpreendente Os Fragmentos de Tracey (no original The Tracey Fragments), filme de Bruce McDonald baseado no romance, homónimo, de Maureen Medved.
O título é daqueles casos que em tudo indiciam o que do filme podemos esperar: fragmentos. Porque, se por um lado a narrativa nos é apresentada em fragmentos, com princípio, meio e fim (mas não necessariamente por esta ordem), por outro o próprio dispositivo visual de que o realizador se serve para apresentar esta história não é mais que uma colecção de fragmentos. Fragmentos de imagem, entenda-se, que dividem o ecrã em várias janelas, umas vezes mais em simultâneo, outras vezes menos, em cada ocasião com uma arquitectura de arrumação distinta, e que permitem uma colecção de olhares vários pela acção que acompanhamos, quem nela participa, o cenário que a envolve ou pequenos pormenores do universo em observação. É impossível evocar este filme sem falar não apenas do espantoso papel desempenhado por Ellen Page, mas da figura a quem dá corpo, a Tracey de que o título nos fala. É uma rapariga suburbana que descobrimos, apenas vestida com um lençol com que envolve o corpo, no banco de trás de um desolado autocarro mais cheio de bancos vazios que de gente. Colando os fragmentos descobrimos a história que a levou a semelhante situação (a procura do irmão, desaparecido), assim como o mundo de pequenos grandes dramas que fazem o seu dia a dia. Com magnífica banda sonora, onde se destacam os Broken Social Scene, o retrato de Tracey é mais uma contribuição do cinema contemporâneo para a representação de uma juventude apática, sem Norte nem objectivos, que não mora apenas nas histórias de ficção dos nossos dias. Uma curel realidade, de resto, cruza toda esta história onde outro protagonista é o amor, presente em fragmentos, ausente no geral, na vida de Tracey. A edição em DVD não junta mais que um trailer ao filme, numa galeria de extras quase tão vazia quanto a vida da figura que o filme acompanha.