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O mais espantoso de tudo isto é que a celebração de tal escolha se tenha feito na chamada "Gala da Ficção Nacional". Porquê espan-toso? Porque chamar ficção nacional ao espaço de produção das telenovelas é, no mínimo, um gesto de soberba face a todas as outras formas de ficção. Mas sobretudo porque se proclama, assim, esta expressão do mais básico novo-riquismo cultural e... ninguém diz nada!
É, de facto, impressionante que criadores individuais e instituições ligadas ao trabalho criativo não venham recordar a sua mais rudimentar legitimidade democrática. A saber: que, neste contexto e deste modo, o uso da expressão "ficção nacional" é, no mínimo dos mínimos, abusivo.
O silêncio de ideias em que vivemos prova que o esmagamento da vida cultural portuguesa pelas telenovelas não é apenas económico e artístico. É também visceralmente político — o torpor dos pensamentos faz lei. E produz telenovelas.