Esta capa da edição de Outubro da revista norte-americana Atlantic está no centro de uma polémica que vale a pena resumir. A imagem de John McCain foi obtida pela fotógrafa Jill Greenberg, contratada pela revista para este trabalho específico. O certo é que, durante a sessão com o senador republicano, Greenberg obteve outras imagens estranhas ao espírito do trabalho, incluindo a da direita, com uma luz a incidir de baixo, de modo a produzir uma composição mais "desfavorável" — segundo ela, foi deliberado e, mais do que isso, foi feito de modo a que McCain e os seus acompanhantes não entendessem o que estava a acontecer. Mais ainda: Greenberg manipulou de forma grotesca algumas das outras imagens da sessão, chegando a expô-las no seu site.
O que se passou é, obviamente, lamentável, quer em termos jornalísticos, quer no plano estrito da dignidade humana. Aliás, Greenberg acabou por expor a arbitrariedade do seu gesto quando declarou: "Sou uma veemente democrata [pretty hard core Democrat]. Algum do meu trabalho tem sido claramente anti-Bush, por isso é um pouco irresponsável que eles [Atlantic] me tenham contratado." De facto, ao colocar a questão nestes termos, Greenberg está a promover a versão mais obscena do "jornalista" (fotógrafo ou não): não aquele que procura lidar com a pluralidade do mundo, aplicando honestamente o seu olhar, mas um mero "caçador de imagens", imbuído do espírito pornográfico dos apanhados televisivos [sobre a ética do trabalho fotográfico, ver, por exemplo: Mark Tucker e Karen Lenz].
Olhar o mundo — por exemplo, fotografá-lo — é sempre estabelecer algum tipo de relação. Não para concordarmos, ou nos negarmos, face àquilo que olhamos, mas para aceder à complexidade do próprio mundo. No seu snobismo militante, Greenberg denegriu os valores clássicos da fotografia e, mesmo não esquecendo que a campanha de Obama é exterior a tudo isto, prestou, em última instância, um péssimo serviço aos democratas.
[Agradecemos o mail de David Fonseca]
[Agradecemos o mail de David Fonseca]