segunda-feira, outubro 20, 2008

Discos da semana, 20 de Outubro

Em quase absoluto silêncio desde 1995 (pelo meio editaram dois EPs em 2001, um deles em parceria com os Lali Puna), o colectivo Bomb The Bass regressa aos discos com aquele que é um dos melhores álbuns de exploração da canção em terreno electrónico dos últimos tempos. Nascidos em plena explosão da cultura house em solo britânico na segunda metade dos anos 80, os Bomb The Bass são desde então a expressão da criatividade do músico e DJ londrino Tim Simenon. Longe do apelo pragmático (para a pista de dança e tabela de vendas) de primeiros singles como Beat Dis ou Megablast, a música de Bomb The Bass evoluíu num sentido de busca de novos desafios e atingiu em Clear (1995) um outro patamar de relacionamento com a canção, num belíssimo álbum que sublinhava o prazer da construção de texturas recorrendo a uma série de instrumentos sem contudo perder características de identidade talhadas numa etapa anterior, dominada por estratégias de corte e colagem de samples. O novo Future Chaos retoma a história onde Clear nos deixara. Ou seja, insiste na vontade de explorar novos caminhos para a canção, mantendo de resto uma semelhante estrutura interna, num álbum que acolhe diferentes vozes e colaborações para dar corpo a ideias em volta de uma identidade comum. Esta é encontrada num abraço franco das electrónicas e num veto frontal à construção por samples. Estamos em território “clássico” nas ferramentas, mas claramente visionário nas soluções encontradas. Um laptop, teclados vintage e boas ideias juntam-se para definir um espantoso ciclo de canções. Apesar de distintas entre si, e convocando vozes (algumas inclusivamente em parceria de escrita e composição) como Mark Lanegan, Jon Spencer ou o colectivo Fujiya & Myiagi, as nove canções que escutamos em Future Chaos sugerem um corpo único, de personalidade marcada. Electrónica na forma, com “alma”, sugerindo e mantendo firme um clima tranquilo, sugestivo, contagiante a cada novo tema. Magnífico regresso!
Bomb The Bass
“Future Chaos”

K7
5 / 5
Para ouvir: MySpace

Ao oitavo álbum (em quase 15 anos de carreira) os The Sea and Cake soam, sem margem para dúvidas, a... The Sea and Cake. De resto, nem outra coisa seria de esperar do grupo, um dos casos notáveis de uma geração nascida de um impulso em experimentar novos caminhos para o rock na Chicago dos anos 90, com protagonismo então partilhado com nomes como os Tortoise ou Gastr del Sol. Com o tempo, álbum após álbum, o grupo evoluiu no sentido da busca de uma ideia de canção. Ideia que concilia códigos da cultura pop/rock com uma personalidade jazzy que corre na alma dos músicos, da qual têm nascido discos que documentam uma progressão formal. Ritmos jazzy, melodias suaves e uma exigência de perfeccionismo na composição, na interpretação e na produção são características que voltamos a encontrar nas canções que fazem o alinhamento deste Car Alarm. De certa forma um sucessor directo do que ainda há um ano escutámos em Everybody, o disco traduz também uma vontade em dar continuidade a um trabalho de exploração (não protagonista) de electrónicas num contexto instrumental “clássico” de guitarras, teclas e bateria, que deu resultados encorajadores no magnífico One Bedroom. Car Alarm pode não acrescentar muito ao que conhecemos já nos Sea and Cake. Propõe, mesmo assim, um novo e sólido corpo de canções. E atinge, em Weekend, uma canção tão próxima do ideal de single pop como nunca.
The Sea and Cake
“Car Alarm”
Thrill Jockey / Mbari
3 / 5
Para ouvir: MySpace

Um dos mais celebrados contadores de histórias da presente década, Mike Skinner tem vindo a definir, através dos álbuns que tem editado como The Streets, um corpo de retratos e pensamentos que conciliam uma ideia musical com uma rara capacidade de reflectir sobre o mundo ao seu redor. E, de facto, poucos exemplos da discografia pop (e afins) da década 00 terá um dia o valor sociológico desta obra em construção. Quarto capítulo de um prometido ciclo de cinco álbums, Everything Is Borrowed corre em sentido oposto ao apresentado no anterior The Hardest Way To Make an Easy Living (2006), assombrado sobre o peso da fama e suas consequências no quotidiano de quem a vive na pele. Mergulho introspectivo, Everything Is Borrowed é como uma prece pela redescoberta de um equilíbrio que parecia perdido, uma busca de respostas pela positiva. De paz interior, em suma. Aos 31 anos, Mike Skinner apresenta-se um homem diferente, de velhos dramas e temores aparentemente resolvidos (ou pelo menos arrumados debaixo do tapete). Tem novas metas, novos horizontes. E, ao que parece, o desejo de celebrar a mudança. Há mal nisso? Bom, lendo as “sovas” que têm atingido o disco, fica claro que o celebrar de uma felicidade encontrada não mora no livro dos códigos dos arautos da ditadura da neura, tragédia e escuridão que semeiam alguma da opinião online. Sem cair num lugar comum podemos reconhecer que a história das artes tem revelado que, em muitos casos, a dor estimula a criação. A tese não inviabiliza contudo outros caminhos. E Mike Skinner faz de Everything Is Borrowed um exemplo. É verdade que pode não ser o seu melhor álbum (já o anterior não o era), mas não revela uma perda de personalidade na escrita. Antes um estado de alma diferente, que se projecta noutras imagens. Liricamente não perdeu o viço, antes reflecte outras preocupações. Musicalmente revela até pontuais surpresas quando, em Heaven For The Weather assume heranças de Patti Smith, em The Sherry End experimenta o ‘disco’, em The Strongest Person despe a canção de suporte rítmico e, pelo alinhamento, acolhe as cordas em arranjos que sublinham o clima que fez nascer estas canções.
The Streets
“Everything Is Borrowed”
679 / Warner
3 / 5
Para ouvir: MySpace

O revivalismo folk e a sua recontextualização em novas formas e ideias não é coisa exclusiva dos americanos. De resto são europeias, muitas, e até antigas, algumas das mais interessantes escolas da música folk. O Reino Unido, por exemplo, acolheu importante geração folk quando, em finais dos anos 60, nomes como os de Nick Drake, Fairport Convention ou Donovan ganharam visibilidade (uns mais cedo, outros mais tarde, é verdade). É certo que as mais interessantes manifestações de heranças folk dos nossos dias têm chegado do lado de lá do Atlântico, mas nada disso faz do Reino Unido um espaço alheio ao estado das coisas. De uns Belle & Sebastian a uns Magic Numbers, vários têm sido os casos de carreiras interessantes a colher heranças folk para, em terras de Sua Majestade, criar uma nova identidade equidistante entre essas referências e a canção pop (senso lato). A entrada em cena dos Noah & The Whale, anunciada pelos primeiros singles lançados pelo grupo desde o ano passado, parecia indicar a chegada de mais um nome de proa capaz de manter viva esta já antiga relação com referências folk... O álbum, Peaceful, The World Lays Me Down, contudo, e sem representar necessariamente uma total desilusão, fica aquém do esperado. O quarteto de Twickenham (arrabalde londrino) mostra sinais de domínio técnico de uma escrita que aposta no formato da canção acústica, sabe acolher arranjos para metais, usa teclas e cordas com parcimónia... Mas salvo nos instantes que já conhecíamos dos singles (sobretudo o agradável Shape Of My Heart), em nada um valor acrescentado por aqui se manifesta. É um disco certinho, limpinho. Mas está longe de poder morar entre as figuras que encontram na folk mote para nos mostrar quão viçoso este filão ainda se mostra nos dias de hoje.
Noah & The Whale
“Peaceful, The World Lays Me Down”

Vertigo / Universal
2 / 5
Para ouvir: MySpace

Um primeiro EP (em forma de maquete bem apresentada) deu conta, há pouco mais de um ano, de novo foco de interesse numa das cidades com mais antiga tradição no espaço do chamado pop/rock alternativo em Portugal. Braga, “casa” dos Mão Morta, de À Sombra de Deus, dos Rongwrong, revelava novos moradores... Apresentavam-se os Peixe:Avião, com uma mão cheia de canções nas quais se aceitavam heranças evidentes no modelo Radiohead, com interessantes concretização da inspiração numa ideia “sua” em Atiro ao Alvo, a canção que abria o alinhamento. Um ano depois chega 40.02 (título que traduz os seus 40 minutos e 2 segundos de duração), álbum de estreia que, sem contrariar filosoficamente o que a promissora “demo” de apresentação sugerira, na verdade não mostra muito mais. O álbum chega em tempo de evidência do ressurgimento do protagonismo da língua portuguesa no espaço pop/rock português. E só por isso integra, merecidamente, a linha da frente de uma realidade que ajudou a construir. O disco revela contudo uma relação ainda excessivamente umbilical com as referências acima citadas, não mostrando o grupo vontade delas partir, para já, em busca de... si mesmo. Fique claro que ostentar referências, citar ícones, experimentar mimetismos, está longe de representar um “erro” na criação artística. Pelo contrário, esta atitude revela, muitas vezes, uma fonte de alimentação primordial, ocasionalmente com resultados dignos de atenção. 40.02 não peca pela aparente paixão pelos Radiohead. Mas talvez pela falta de vontade em sair da sua esfera de influência (e, naturalmente, toda a respectiva linhagem de influências). A 40.20 falta ainda um corpo de canções que, independentemente das semelhanças ou diferenças com modelos (na voz, nos arranjos, até mesmo na composição), cativem o ouvinte a cada tema que se desvenda. Há ocasionais momentos felizes (alguns mesmo assim assombrados depois por “trejeitos” de cenografia que mereciam mais reflexão). Momentos que esperamos que sejam ponto de partida para um segundo voo que bem pode esquecer os temperos Radiohead em terra. E deixar o Peixe:Avião, realmente, voar...
Peixe:Avião
“40.02”

Rastilho
2 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Tilly & The Wall, Nitin Sawhney, Of Montreal, Kaiser Chiefs, Bonnie Prince Billy, Jazzanova, The Dears, Red Snapper, Mitsouko Uchida + Christian Tetzlaff (Bach), Alla Polacca, Chic (best of), New Order (reedições), Morgan Geist

Brevemente:
27 de Outubro: Deerhunter, Lou Reed (live), Arthur Russell, Bloc Party, Los Campesinos, The Cure, The Move (best of), Hank Williams (caixa), Kitsuné Maison (vol 6), Best of James Bond, ZTT Records (caixa), Ryan Adams, A, Schiff (Beethoven – vol 8), Psapp
3 de Novembro: Johann Johansson, Fall Out Boy, Elvis Presley (duetos de Natal), Paul Weller (BBC sessions), Bob Dylan (DVD), Megapuss, Q-Tip, Razorlight, Stephen Sondheim (caixa), Ry Cooder (best of),
10 de Novembro: Grace Jones, Flaming LIps, The Smiths (best of), Genesis (caixa), Stereophonics, Tracy Chapman, Metro Area

Novembro: David Byrne + Brian Eno, The Killers, Belle & Sebastian (BBC Sessions), Neil Young (live), Philip Glass (caixa – edição nacional), John Adams (edição nacional), Marc & The Mambas (reedição), Momus, Maria João + Mário Laginha
Dezembro: Dakota Suite, Yelle (remix), Shirley Bassey (reedições), The Smiths (caixa)