segunda-feira, outubro 13, 2008

Discos da Semana, 13 de Outubro

Aos 12 anos de vida, com seis álbuns a contar já uma história, os Calexico são hoje um dos casos mais interessantes de uma geração nascida em meados de 90 sob a vontade de, em sintonia com as linguagens indie rock, redescobrir sentidos para as diversas expressões locais (essencialmente na música folk, country) que traduzam sugestões de identidade contemporânea do grande oeste norte-americano. Naturais de Tucson, a segunda cidade do estado do Arizona, a apenas 98 quilómetros da fronteira com o México, uniram-se a nomes como os Giant Sand ou Neko Case, criando uma “cena” local que rapidamente atraiu atenções e estimulou o aparecimento de outras figuras e bandas. De todos, contudo, os Calexico são aqueles que de forma mais regular e sistemática têm explorado o riquíssimo diálogo entre heranças que faz a cultura fronteiriça de um Sul que espreita o México (e demais referências latinas) na linha do horizonte. Carried To Dust, o seu sexto álbum de originais, recua ligeiramente face à abordagem mais directa às formas indie rock do anterior Garden Ruin (de 2005), procurando antes como ponto de partida o belo álbum de 2003 Feast Of Wire. Mantendo clara uma vontade de explorar a canção (em detrimento de um certo protagonismo que a música instrumental teve em discos anteriores do grupo), o novo Carried To Dust apresenta as marcas “clássicas” da identidade dos Calexico, como que recolhendo no seu próprio passado um conjunto de pistas para delas apresentar uma síntese revista e melhorada. Assim é. Naquele que é talvez o mais abrangente dos seus seis discos, os Calexico correm por caminhos já familiares, todavia munidos da sua mais saborosa colecção de canções de sempre. O disco abre com Victor Jara’s Hand e Two Silver Trees, duas das melhores canções de toda a obra do grupo. Abrem horizontes às influêncas diversas que a sua identidade abarca, desafiando Amparo Sanchez a dar voz a Inspiración, canção que nos leva bem abaixo da fronteira mexicana. Na recta final, como que sugerindo uma ordem narrativa, uma vaga de melancolia fecha o alinhamento. Com colaborações várias (que vão de elementos dos Tortoise a Iron & Wine), Carried To Dust é um retrato de um espaço, em canções de atmosfera plácida que murmuram um convite à descoberta. Simplesmente cativante.
Calexico
“Carried To Dust”

City Slang / Popstock
4 / 5
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O ano de 2008 pode vir a entrar na história da música portuguesa por assinalar o momento do reencontro do rock’n’roll (ou roquenrole, como de facto faz sentido grafar) com a língua portuguesa após história de divórcio e ilusão criada pela cultura pop de uma década de 90 que viveu mais da mímica de referências que da real exploração de uma ideia de identidade. O reatar desta relação, que este ano está a cativar atenções e estabelecer empatias, não é todavia milagre de geração espontânea. Tem fundações numa série de movimentações com raiz nos tempos mais recentes, entre palcos ditos “secundários” e pequenas editoras independentes, e aflora agora através de uma série de edições e concertos (com outra visibilidade mediática) que dão conta de uma realidade já confiante e em busca de um lugar ao Sol. A Os Pontos Negros cabe evidentemente um papel central em toda esta movimentação de acontecimentos, sendo por isso o seu novo álbum (o primeiro desta geração de bandas por uma multinacional) um dos mais esperados da temporada. Juntamente com o produtor Tiago Guillul, os Pontos Negros são voz já com expressão mediática do corpo de ideias que foi ganhando forma na “família” Flor Caveira, editora que é responsável por parte das revelações que o ano agora faz chegar além do que até aqui era o seu espaço de culto. Magnífico Material Inútil, pelo facto de morar numa editora com armas e bagagem para lhe dar (se o souber fazer) outra projecção, tem peso determinante na afirmação não apenas da banda mas das demais que consigo querem fazer a diferença. O disco assinala, sem ruptura, uma evolução face aos anteriores registos dos Pontos Negros. Sem apagar marcas e atitudes do seu passado, cruza gostos do presente (Strokes e afins) com heranças com BI por estes lados (nomeadamente o que parecem ser ecos dos Heróis do Mar e uma “gratidão” por António Variações) e com um desejo de projectar nas canções uma alma contadora de histórias, assim como toda uma conduta ética. Temas como Depois da Bonança Vem a Tempestade, Armada de Pau e o já aclamado Conto de Fadas de Sintra a Lisboa destacam-se acima de um alinhamento onde por vezes o conteúdo surpreende mais que a forma, e alertam para potencialidades melodistas e cenográficas a explorar no futuro. É um álbum tudo menos “inútil”, todavia longe ainda de “magnífico”. Mas claramente é passo certo para uma das maiores promessas da nova música portuguesa.
Os Pontos Negros
“Magnífico Material Inútil”

Universal
3 / 5
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Originalmente pensado como um disco duplo, apresentado afinal como um díptico, o par de álbuns formado por The Stage Names (2007) e o novo The Stand Ins colocaram finalmente no mapa das atenções globais o nome (e a música) dos Okkervil River. Sucessores do não menos interessante The Black Sheep Boy (2005), os dois mais recentes álbuns confirmam não só a maturação de uma ideia que parte de uma identidade indie rock, assimilando sugestões colhidas em várias frentes, mas também a solidez da escrita poética de Will Sheff, o vocalista e timoneiro dos acontecimentos. The Stand Ins é, acima de tudo, um complemento directo a The Stage Names. Ou, antes, a segunda parte de um todo desejado como uno. São evidentes as marcas de continuidade, não apenas na instrumentação e no seu clima emocional como no corpo de temas abordados. A solidão, a perda, a celebração de heróis trágicos, a devoção à música e o observar do culto da celebridade moram nas linhas de mais uma belíssima colecção de canções. Destacam-se, inevitavelmente o irresistível Lost Coastlines, onde Will partilha o protagonismo com o seu velho colaborador Jonathan Meibug (hoje apenas concentrado nos Shearwater, projecto originalmente nascido como vida paralela aos Okkervil River). E o arrepiante Bruce Wayne Campbell Interviewed on the Roof of the Chelsea Hotel, 1979, homenagem a Jobriath, estrela que nunca o foi, nascida em clima glam rock na América de meados de 70 (cuja obra foi recentemente reeditada em CD). Formalmente o disco sugere uma diferente arrumação face a The Stage Names, construindo ciclos de canções intercalados por curtos instrumentais que sublinham um delicado sinfonismo que havia já emergido, discreto, em momentos anteriores na obra do grupo. A The Stand Ins falta talvez um real sentido novidade (o que era de esperar, numa segunda parte de algo anunciado como um “um em dois”). E, convenhamos, faltam também pérolas maiores como algumas das que fizeram de The Stage Names um dos discos de 2007.
Okkervil River
“The Stand Ins”

Jagjaguwar / Sabotage
3 / 5
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Pode o ‘disco sound’ ou outras linguagens habitualmente ligadas à chamada música de dança inspirar uma atitude essencialmente introspectiva? Podem, naturalmente. E no novo Lightbulbs, do colectivo britânico Fujiya & Miyagi (sim, apesar do nome nem são dois nem mesmo japoneses) podemos encontrar exemplo claro para justificar esta tese. Agora um quarteto (depois da chegada de um baterista já este ano), o grupo apresenta no seu novo disco, sucessor do magnífico e muito elogiado Transparent Things, de 2006, uma colecção de canções “implosivas”, quase todas assentes sob uma identidade pop feita da assimilação de linguagens muitas vezes associadas à música de dança e suas periferias, do já citado disco ao krautrock. Sem o dinamismo mais evidente das composições pop do álbum anterior, Lightbulbs sugere, logo em Knickerbocker (a faixa de abertura) um clima no qual a voz sussurrante de David Best assenta como uma luva. Uma voz que, afinal, acaba por ser o denominador comum a todo o disco, âncora que garante a solidez de um tom que o domina de fio a pavio. Ocasionalmente raras festas de luz rompem o toldo que cobre quase todo o disco. Pterodactyls revela uma partilha de interesses comuns com uma ideia de reinvenção pop feita através da assimilação de soluções ensaiadas na música de dança que conhecemos de uns Hot Chip. Em Sore Thumb uma dinâmica rítmica ligeiramente mais insistente que os demais momentos do alinhamento evoca climas da herança ‘disco’. Mais sombrio, Goosebumps, não esconde o interesse do colectivo pela exploração de texturas, num dos temas do alinhamento que mais claramente estabelece pontes com as referências-chave da memória kraut que parecem tão caras ao grupo (e que, inclusivamente, lhes valeu já o rótulo de “krautpop”). A sombra introspectiva que cobre o disco não deve, todavia, ser confundida com um estado de melancolia. Pelo contrário, um sentido de humor vivo corre nas entrelinhas de letras bizarras, intrigantes, mas longe de assombradas. No todo não repete a surpresa de Transparent Things, mas não desilude.
Fujiya & Miyagi
“Lightbulbs”
Groneland / Última
3 / 5
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Lançado há precisamente dez anos, Deserter’s Songs rapidamente se afirmou como peça central de uma nova identidade no panorama rock alternativo norte-americano, cruzando heranças da América profunda (muitas vezes entendidas sob o abrangente rótulo ‘americana’) com ideias do presente indie em construção. O álbum, que se afastava significativamente da memória menos polida dos discos anteriores do grupo, parecia querer afirmar um momento de viragem, optando por uma linguagem distante dos valores primordiais do rock’n’roll. Surpreendeu tudo e todos. E de facto lançou nova etapa na vida dos Mercury Rev, que então apresentaram sequelas directas do álbum de 1998 nos seguintes (se bem que menores) All Is Dream (2001) e The Secret Migration (2005). Agora, dez anos depois e três discos mais tarde, Snowflake Midnight revela desejo de ruptura com a linguagem do ciclo aberto em Deserter’s Songs (na verdade com primeiras sugestões no anterior See You On The Other Side, de 1995). No lugar do sinfonismo pop, do lirismo orquestral, da placidez para cordas e voz, uma nova demanda levou os Mercury Rev a terrenos novamente inesperados, desta vez dominados pelas electrónicas. Entre a aparente vontade de revisitar as heranças da obra de Brian Eno nos anos 70, aceitando também marcas da genética krautrock, o álbum mostra uma banda decidida à saudável ousadia da experiência. Pena apenas que não tenham parado para reflectir antes de dada a ordem para que a música saísse do estúdio para o disco. É sabido que nem todas as experiências dão resultados realmente interessantes. E Snowflake Midnight é evidente exemplo de banda perdida depois de ensaiado um caminho errado. Composições desinspiradas, um desnorte absoluto na gestão das ideias, a perda de controle da noção de canção e um claro divórcio entre o registo vocal de Donahue e a renda de sons criados para cenário são evidências que fazem da escuta do álbum uma experiência penosa. Sobretudo para quem guarda inesquecíveis memórias com dez anos de vida...
Mercury Rev
“Snowflake Midnight”

V2 / Popstock
1 / 5
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Também esta semana:
Robert Fripp, 808 State (reedições), Tina Turner (best of), OMD (best of + DVD), Ultravox (reedições), John Foxx (best of), Antony and The Johnsons (EP), Bob Dylan (bootleg series), Clash (live), Oasis, Lambchop, St Etienne (best of), John Foxx (reedições), Lila Downs, Alex Beaupain, Those Dancing Days, Lucinda Williams, Grateful Dead (reedição), Buena Vista Social Club (live), Tilly & The Wall, Nitin Sawhney, El Guincho

Brevemente:
20 de Outubro: Of Montreal, The Sea & Cake, Kaiser Chiefs, Bonnie Prince Billy, Jazzanova, The Dears, Red Snapper, Mitsouko Uchida + Christian Tetzlaff (Bach)
27 de Outubro: Deerhunter, Lou Reed (live), Arthur Russell, Bloc Party, Los Campesinos, The Cure, Move (best of), Hank Williams (caixa), Kitsuné Maison (vol 6), Best of James Bond, ZTT Records (caixa), Ryan Adams, A, Schiff (Beethoven – vol 8), Psapp
3 de Novembro: Johann Johansson, Fall Out Boy, Elvis Presley (duetos de Natal), Paul Weller (BBC sessions), Bob Dylan (DVD), Megapuss, Q-Tip

Novembro: Grace Jones, David Byrne + Brian Eno, The Smiths (best of), The Killers, Belle & Sebastian (BBC Sessions), Neil Young (live)
Dezembro: Dakota Suite, Yelle (remix), Shirley Bassey (reedições)