
É bem verdade que as séries de ficção constituem um dos domínios mais variados, e também mais inventivos, do espaço televisivo. Em todo o caso, a possibilidade de reencontro com uma referência clássica, Twin Peaks (agora regressada ao canal FX), faz-nos ver tudo à nossa volta de modo bastante mais relativo.
Claro que Twin Peaks é um daqueles produtos que suscita sempre saudades cinéfilas (aliás, televisivas...). Mas importa ir para além da nostalgia dos segredos e fantasmas de “quem matou Laura Palmer”. Dezoito anos passados sobre o seu espectacular impacto (o primeiro episódio foi emitido nos EUA, na ABC, a 8 de Abril de 1990), não podemos deixar de perguntar para onde foi a herança de Twin Peaks. Se, como se disse na altura, este foi o fenómeno que “mudou o horário nobre” da televisão, importa saber se esse mesmo horário tem estado à altura de tão rica herança temática e estética.

A situação actual é tanto mais pobre quanto, de facto, continuam a ser sistematicamente menosprezados os valores inerentes a Twin Peaks. Assim, as histórias que discutem a ilusória transparência do real, logo dos próprios seres humanos, deram lugar à formatação de personagens e narrativas; o sentido aberto das encenações e interpretações foi anulado por visões estereotipadas dos comportamentos; enfim, a própria perturbação decorrente do complexo retrato das pulsões mais ocultas foi substituída por uma visão maniqueísta, e violentamente moralista, de todas as formas de sexualidade.
Em termos simples, isto significa que a matriz da telenovela esmagou o esplendor da herança de Twin Peaks. Que ainda seja possível (re)ver a série num canal de cabo, eis o que nos permite dizer que nem tudo está perdido.