Subitamente, de Espanha, chega A Solidão, premiado com três Goya (incluindo melhor filme espanhol de 2007): um olhar realmente diferente sobre o presente, um objecto de cinema original e tocante — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 de Setembro), com o título 'Contra Almodóvar'.
Filme raro, precioso, dos maiores que este ano de 2008 nos trouxe. Em várias cenas de A Solidão, Jaime Rosales divide o ecrã em duas partes iguais. Por vezes, isso serve-lhe para mostrar duas zonas contíguas da acção (por exemplo, uma sala e um corredor). Outras vezes, vemos personagens que dialogam (uma de frente, outra de perfil). Num tempo em que o cinema anda tão saturado de efeitos especiais mais ou menos gratuitos, é um bálsamo encontrar um cineasta que sabe utilizar a técnica, não para “distrair” o espectador, mas ao serviço de um determinado clima emocional e na procura de uma lógica narrativa específica.
Que se passa, então? Jaime Rosales filma uma Espanha ferida na banalidade do seu quotidiano. Claro que o símbolo dessa dor é a cena nuclear do atentado num autocarro. Mas seria um erro crasso descrever A Solidão como um filme “sobre” o terrorismo. Além de tal cena ser brevíssima, quase abstracta na sua contundência, estamos muito longe do vício televisivo que consiste em fugir à complexidade das coisas através de rótulos mais ou menos generalistas. O que aqui mais conta é a sensação, a um tempo realista e didáctica, de estarmos perante relações humanas cuja complexidade excede todos os clichés, sejam eles sociológicos ou dramáticos.
Daí que, por uma exigência não desprovida de ironia, A Solidão acabe por ser um filme que recupera a dimensão mais nobre, e também mais clássica, do melodrama. Trata-se de aceder aos lugares mais secretos, porventura mais indescritíveis, dos desejos humanos. Nesse processo, Jaime Rosales consegue ainda a proeza de contrariar a “obrigação” de o cinema espanhol se limitar a copiar o pitoresco dos filmes de Almodóvar. Já era tempo.
Filme raro, precioso, dos maiores que este ano de 2008 nos trouxe. Em várias cenas de A Solidão, Jaime Rosales divide o ecrã em duas partes iguais. Por vezes, isso serve-lhe para mostrar duas zonas contíguas da acção (por exemplo, uma sala e um corredor). Outras vezes, vemos personagens que dialogam (uma de frente, outra de perfil). Num tempo em que o cinema anda tão saturado de efeitos especiais mais ou menos gratuitos, é um bálsamo encontrar um cineasta que sabe utilizar a técnica, não para “distrair” o espectador, mas ao serviço de um determinado clima emocional e na procura de uma lógica narrativa específica.
Que se passa, então? Jaime Rosales filma uma Espanha ferida na banalidade do seu quotidiano. Claro que o símbolo dessa dor é a cena nuclear do atentado num autocarro. Mas seria um erro crasso descrever A Solidão como um filme “sobre” o terrorismo. Além de tal cena ser brevíssima, quase abstracta na sua contundência, estamos muito longe do vício televisivo que consiste em fugir à complexidade das coisas através de rótulos mais ou menos generalistas. O que aqui mais conta é a sensação, a um tempo realista e didáctica, de estarmos perante relações humanas cuja complexidade excede todos os clichés, sejam eles sociológicos ou dramáticos.
Daí que, por uma exigência não desprovida de ironia, A Solidão acabe por ser um filme que recupera a dimensão mais nobre, e também mais clássica, do melodrama. Trata-se de aceder aos lugares mais secretos, porventura mais indescritíveis, dos desejos humanos. Nesse processo, Jaime Rosales consegue ainda a proeza de contrariar a “obrigação” de o cinema espanhol se limitar a copiar o pitoresco dos filmes de Almodóvar. Já era tempo.