
Nomeio três dessas tendências, a meu ver das mais influentes na relação entre quem informa e quem é informado:
1) - a crescente contaminação de jornais e revistas pelo estilo telegráfico, condensado e muitas vezes ultra-simplificador da lógica dominante nos telejornais.
2) - o triunfo de uma cultura informativa e social com raízes no futebol, com a consequente secundarização de todas as outras formas culturais.
3) - a generalização dos valores da chamada "imprensa cor-de-rosa", promovendo modelos superficiais (o consumismo), simplificadores (a visão arrivista da sexualidade) e voyeuristas (a concepção do outro como "aquele-que-pode-ser-espiado").
1) - a crescente contaminação de jornais e revistas pelo estilo telegráfico, condensado e muitas vezes ultra-simplificador da lógica dominante nos telejornais.
2) - o triunfo de uma cultura informativa e social com raízes no futebol, com a consequente secundarização de todas as outras formas culturais.
3) - a generalização dos valores da chamada "imprensa cor-de-rosa", promovendo modelos superficiais (o consumismo), simplificadores (a visão arrivista da sexualidade) e voyeuristas (a concepção do outro como "aquele-que-pode-ser-espiado").
Dito isto, e mesmo com todo o cepticismo que isto implica, confesso que nada me faria adivinhar que um jornal viesse promover "uma campanha a nível mundial" para que um jogador de futebol seja distinguido com um prémio. Mais concretamente, A Bola criou uma petição para que Cristiano Ronaldo receba o título de melhor jogador do mundo, atribuído pela FIFA — a petição está a decorrer no site do jornal, para depois ser enviada "aos seleccionadores nacionais e capitães de equipa das 207 federações inscritas na FIFA".
Como leitor, devo dizer que a petição me parece uma proposta completamente deslocada e pueril. Como se, por hipótese, o jornal Variety montasse uma petição, dirigida à Academia de Hollywood, no sentido de o filme A ou B ser distinguido de determinada maneira nos próximos Oscars... Não será que aquilo que faz o sentido — e também o valor — de um prémio é o seu próprio particularismo, isto é, o facto de emanar de um colectivo específico e não de grupos de pressão da "opinião pública"?

Mas esses são apenas os aspectos mais rudimentares da questão. Escusado será dizer que não está em causa a legitimidade de o jornal desencadear este processo nem, muito menos, o talento futebolístico de Cristiano Ronaldo. Vale a pena, isso sim, avaliar o subtexto simbólico da iniciativa.
Que se defende, então, quando se defende que é "da mais elementar justiça" distinguir Cristiano Ronaldo como melhor jogador do mundo?
A resposta é: defende-se um modelo. E não apenas de jogador. De facto, a petição assume-se como exaltação de qualquer coisa que tem a ver com os nossos modos de vida e, em particular, com a vida dos mais jovens. Isto porque Cristiano Ronaldo afirmou-se "como um ícone da juventude e é, para muitos, sinónimo de futebol espectáculo."
Porquê um ícone da juventude? Que formas de comportamento são regularmente exaltadas a pretexto de Cristiano Ronaldo? Lembro três:
a) - possuir carros de luxo.
b) - jogar playstation.
c) - ter uma nova namorada de três em três meses.

É isso que faz a petição de A Bola? Não. O que a petição de A Bola faz é acentuar ainda mais a ideologia da heroicização que passou a dominar as formas jornalísticas de tratamento das proezas desportivas dos nossos atletas. É uma ideologia simplista, em termos humanos, e redutora no plano criativo. No limite, este tipo de intervenção pública, ainda que motivada pela mais cândida paixão pelo futebol, pode favorecer o agravamento de um patriotismo grosseiro e revanchista — neste contexto, se algum cidadão (por exemplo, um jornalista) se atrever a defender as qualidades de excepção de um Káká, um Lampard ou um Fernando Torres, não só corre o risco de ser insultado, mas de ser ostracizado como anti-português.