segunda-feira, setembro 08, 2008

Discos da semana, 8 de Setembro

Com discografia regular desde 1992, os Stereolab são há muito uma respeitada instituição da cultura indie de berço europeu. O cruzamento de genéticas musicais (da herança motorik ao lounge), a opção bilingue, o gosto pela exploração de reflexões políticas em detrimento dos mais frequentes jogos de amores, uma primeira identificação do seu som como “pós-rock” (e aqui a coisa dava longo debate), são algumas entre as características que deles fazem uma referência da música posterior a 1990. A sua discografia é casa de inúmeros títulos aclamados. Aos Stereolab falta contudo algo que, há muito, a sua obra justificaria: um reconhecimento mais expressivo acima do espaço de devoto culto no qual têm definido toda a sua carreira até aqui. Para tal, contudo, fazia falta um álbum capaz de, sem macular uma identidade que há muito é sua marca registada, consiga abraçar novos ouvidos e cativar novas paixões... Faltava um álbum como Chemical Chords... Um olhar transversal pela obra dos Stereolab mostra uma clara e firme vontade em seguir, sem atalhos nem desvios, um caminho concreto. O seu novo disco em nada abandona as marcas de identidade que garantem o reconhecimento da sua música à primeira mão cheia de notas tocadas. Mas experimenta, e com sucesso, o diálogo das já habituais genéticas musicais com uma vontade saudável em experimentar a pop. Há quem já tenha falado de um piscar de olho à Motown. É verdade. Mas não só aí se esgota o revisitar de modelos que os Stereolab escutam noutros baús da memória. Da França pop de 60 a universos de cruzamento com tradições do musical ligeiro de palco (poucas vezes visitado na pop como Bowie o fez no seu primeiro álbum, em 1967), Chemical Chords é um pequeno paraíso de suculentas canções doces, cativantes e curtas. Sem o tom politizado de outros discos, a aventura mais pop da obra dos Stereolab mostra como longos anos ao serviço de uma identidade podem experimentar pequenos desafios na forma sem macular uma personalidade. De resto, é no reconhecimento dessa alma, em canções deliciosamente pop, que se afirma um dos melhores álbuns da sua já extensa discografia.
Stereolab
“Chemical Chords”
4AD / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace

Damon Albarn e Jamie Hewlett cumpriram a promessa e desactivaram os Gorillaz depois da digressão que se seguiu ao lançamento do segundo álbum de originais. Houve ainda um filme, uma antologia de “raridades”... Mas a história criativa daquela etapa de uma das mais frutuosas parcerias pop da presente década conhecia mesmo o anunciado ponto final. Nada os impede, contudo de continuar a trabalhar em conjunto. E foi com Hewlett que Damon Albarn deu um dos passos seguintes. Um passo que, como quase todos os que tem assinado desde o último álbum dos Blur, chega com sabor a surpresa e longe dos espaços mais “tradicionais” da criação rock’n’roll. Depois de experimentados diálogos com a música do Mali, o hip hop e o dub, desta vez a viagem aponta à China. A ideia nasceu com vista à criação de um espectáculo para a abertura do Festival Internacional de Manchester em 2007. Adaptação de um texto chinês do século XVI de Wu Cheng’en, contando ainda com a contribuição criativa do actor Chen Shi-Zheng, Monkey: Journey To The West é o que poderíamos designar como uma ópera pop. A música (da autoria de Damon Albarn) sugere pontes entre tempos, ora evocando heranças da tradição clássica ocidental, ora aceitando sugestões da modernidade pop, naturalmente procurando também o cruzamento de marcas da cultura chinesa com a ocidental. Não se trata de uma manobra de temperos ao jeito de algumas experiências da world music, antes um encontro de mundos sob uma linguagem que tem como primeiro destino a missão de servir um palco. Mais próximo da música de John Adams (a ópera I Was Looking At The Celing And Then I saw The Sky é um bom termo de comparação) que do registo “clássico” da música pop, Monkey: Journey To The West é um desafio musical e narrativo que nos conquista gradualmente. Canções e sequências instrumentais, directamente retiradas da ópera foram recriadas em estúdio, assim nascendo o álbum, editado sob a designação colectiva Monkey. Sem dúvida, mais uma prova da invulgar versatilidade de Damon Albarn, cada vez mais um dos nomes de maior relevo no cenário contemporâneo da música inglesa.
Monkey
“Monkey: Journey To The West”
XL Recordings
4 / 5
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A Califórnia sempre foi cenário protagonista em grande parte das canções de Brian Wilson. Começou por retratá-la com luminosas cenas de surf, sol e praia, nos primeiros discos dos Beach Boys, em inícios da década de 60. Agora, quase 50 anos depois, regressa "a casa" em That Lucky Old Sun, uma carta de amor ao seu mundo (e principal fonte de inspiração). O álbum, que se sucede a um discreto disco de Natal editado em 2005, assinala segura continuidade aos feitos do elogiado Smile “definitivo” de 2004, sugerindo uma viagem de nostalgia à Califórnia de 1961. A mesma que, então, assistiu aos seus primeiros passos na música. O álbum nasce de uma novs colaboração, na escrita, com o velho parceiro Van Dyke Parks (o mesmo que havia colaborado, há 41 anos, em Smile e com quem Brian Wilson gravou Orange Create Art, em 1995). E é resultado de um desafio lançado pelo Southbank Centre, de Londres, em 2007, onde estas canções foram então estreadas. Com alma “conceptual”, o álbum apresenta uma estrutura narrativa que ordena conjuntos de canções, intercaladas por separadores falados nos quais se contextualizam imagens e figuras. O alinhamento abre com o tema-título, uma canção dos anos 40 tornada célebre na voz de Louis Armstrong. Inclui um “outtake” de Wild Honey (Can’t Wait Too Long). E chega mesmo a reflectir sobre os seus dias mais difíceis em Midnight’s Another Day. Na essência, devolve Brian Wilson a terreno familiar, em canções que temática e formalmente ecoam memórias dos melhores discos dos Beach Boys, na segunda metade de 60. O músico aqui reencontra uma felicidade e segurança que parecem deixar de vez no passado as tormentas que o dominaram depois de 1967. Mas por vezes sugere anacronismos, inclusivamente o que parece ser um alheamento do músico aos tempos presentes. Não é a “obra-prima” que alguns comentários têm referido. Mas é um dos seus melhores discos a solo.
Brian Wilson
“That Lucky Old Sun”
Capitol / EMI
3 / 5
Para ouvir: MySpace

Nos últimos anos temos assistido ao emergir de uma série de fenómenos oriundos dos vários espaços underground nova-iorquinos, revelando estes que, mais que uma “cena”, a cidade é hoje palco para acontecimentos vários, eco das várias genéticas que a história da cultura popular foi apresentando à “grande maçã”. O disco, que ali conheceu determinante protagonismo em meados de 70, continua a alimentar novas experiências. Mais um exemplo ganha forma no álbum de estreia do colectivo Heloise & The Savoir Faire. No leme dos acontecimentos está Heloise Williams, em tempos roadie de Peaches, agora voz e principal alma criativa de uma banda que visa sobretudo a recuperação do disco sound para os ouvidos (e cenários) do século XXI. Sem conseguir disfarçar alguma familiaridade com os caminhos tomados pelos Scissor Sisters (também eles uma expressão hoje visível de uma vivência outrora “escondida” no underground de Nova Iorque), o álbum Trash, Rats and Microphones (lançado pela Simian Records, de Elijah Wood) não esconde que tem nos Blondie a sua “referência” estrutural, procurando o cruzamento da folia rítmica do disco e do electro com formas pop e ocasional piscar de olho às guitarras. A própria Debbie Harry é desafiada para colaborar em dois temas. Porém, falta às canções a eficácia pop que recordamos dos melhores dias dos Blondie, assim como o apelo glam dos Scissor Sisters ou o apelo subversivo de Leslie & The Lys (outro colectivo americano do presente, que opera semelhante operação, tendo contudo o hip hop de inícios de 80 como condimento “retro” principal). Há aqui vontade de fazer a festa. Há cenários retro, sabores kitsch, sonhos glamorama de nomes e modas... Mas faltam as canções. E, sobretudo, falta o real tom de subversão e um humor consequente que semelhante operação parece pedir, mas sem o conseguir... A Heloise faltou, para já, o... savoir faire.
Heloise & The Savoir Faire
“Trash, Rats and Microphones”

Simian Records
2 / 5
Para ouvir: MySpace

Como se não bastassem já os regressos dos anos 70 e 80, agora também temos em agenda os regressos dos 90… Era esperado. E eis que entram em cena os The Verve. É verdade que o grupo até deu alguns interessantes primeiros passos na Inglaterra pós-shoegazer de inícios de 90. Mais tarde atingiu o sucesso planetário ao terceiro album: Urban Hymns, de 1997… Zangaram-se depois as comadres e a separação chegou logo a seguir. Richard Ashcroft editou então, a solo, discos absolutamente menores que a história não terá nunca de recordar. Por seu lado, Nick McCabe trabalhou com várias bandas, umas melhores (Beta Band) outras nem por isso (The Music). Em 2007 anunciaram uma reunião da formação original. Foi o alarido! E agora chega-nos Forth um quarto album que, todavia, não aponta azimutes às memórias dos registos dessa formação de origem mas, antes, a uma espécie de busca de uma sucessão directa dos efeitos do álbum de 1997… O album é, contudo, um pão de quilo de pompa sem circunstância. Verve, só mesmo no nome da banda… Canções insípidas, desinspiradas, cheias de grandiosidade insuflada por arranjos com sonhos de grandeza. Não há aqui um Bittersweet Symphony nem um Lucky Man. Apenas um entediante amontoado de canções que acolhem o espírito baladeiro de Ashcroft e ocasionais frestas de genética colhida nas memórias mais remotas do grupo. Absolutamente inconsequente, Forth dá aos Verve o argumento que lhes faltava para, com os Oasis e Coldplay, criar a santíssima trindade da pop com ar de coisa séria, mas na verdade sem nada para nos dizer, da Inglaterra dos nossos dias.
The Verve
“Forth”
Parlophone / EMI
1 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Teddy Thompson, Brett Anderson, Diplo + Santogold, Calexico, Julian Cope, Glasvegas, Joan Baez, David Byrne, Parenthetical Girls, Fiery Furnaces (live)

Brevemente:
15 de Setembro: Bomb The Bass, The Streets, The Cure, Soft Cell (remixes), Richard Barbieri, The Coral (best of), Noah and the Whale, Carbon/Silicon
22 de Setembro: Philip Glass (caixa 10 CD), John Adams, Kings Of Leon, Tori Amos (live), New Order (reedições), David Vandervelde, Spinto Band, Thievery Corporation, A.S. Mutter (Bach, Gubaidulina)
29 de Setembro: Pontos Negros, Mafalda Arnauth, Mercury Rev, Ani di Franco, Robert Fripp, 808 State (reedições), Tina Turner (best of)

Outubro: Of Montreal, Okkervil River, Annie, Grace Jones, Oasis, My Bloody Valentine (reedições), Ultravox (reedições), St Etienne (best of), Bob Dylan (bootleg series), U2 (reedição), Clash (live), The Sea and Cake, Kaiser Chiefs, Nitin Sawhney, Lambchop
Novembro: Smiths (best of), Paul Weller (BBC sessions)