Como é que o povo é representado na televi-são? Que valores são investidos (e promovidos) nas suas representações? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 de Agosto) com o título 'Onde está o povo?'.
"Se isto não é o povo, onde é que está o povo?" A pergunta, dita em tom de palavra de ordem, vem da imaginação criativa do 25 de Abril, a ponto de poder dispensar qualquer filiação redutora na "esquerda" ou na "direita". Acima de tudo, é uma pergunta que conserva a palavra povo do lado de uma existência livre, quase selvagem, não redutível aos limites das ideologias partidárias [cartaz 'A poesia está na rua', de Vieira da Silva].
Lembrei-me da energia perdida de tais palavras (ou da energia de tais palavras perdidas), vendo algumas cenas dispersas de programas, matinais ou vespertinos, feitos precisamente em nome da "verdade" do povo que se convoca e dá a ver. São programas apresentados em tom obrigatoriamente risonho e festivo, mas muito incómodo. Porquê? Porque os intervenientes (os "populares", precisamente) surgem quase sempre manipulados e formatados. Das duas uma: são tratados como figurantes anónimos, expostos à inclemência do sol, apenas "obrigados" a aplaudir regularmente, sem qualquer espontaneidade; ou, então, são encenados em "entre-vistas" que têm muito pouco de diálogo, uma vez que lhes é exigido que confirmem um retrato paternalista que os transforma em símbolos de uma sempre nostálgica "pureza" (popular, claro). Dir-se-ia que é preciso falar em tom infantil ou pateta e, sobretudo, não dizer nada que possa parecer inteligente, para se ser genuinamente popular…
Compreende-se, por isso, que esta demagogia populista (integrada como coisa "natural" pelas televisões, não poucas vezes nos próprios espaços informativos) possa suscitar, em termos artísticos, as reacções mais violentas. Afinal de contas, não é agradável sermos retratados como uma espécie de bobos mais ou menos risonhos, ansiando pela "glória" de aparecer num ecrã de televisão. Tivemos uma dessas reacções na edição de domingo de Os Contemporâneos, com o violento sarcasmo do sketch/teledisco sobre as férias na praia e seus horrores "civilizacionais" [aqui em baixo]. Foram momentos de tal modo brilhantes e contundentes que, não tenhamos ilusões, já faltou mais para que Os Contemporâneos comecem a ser acusados de "intelectuais". Faz sentido que assim seja: no nosso país, a palavra "intelectual" é muitas vezes usada como for-ma "popular" de insulto.
"Se isto não é o povo, onde é que está o povo?" A pergunta, dita em tom de palavra de ordem, vem da imaginação criativa do 25 de Abril, a ponto de poder dispensar qualquer filiação redutora na "esquerda" ou na "direita". Acima de tudo, é uma pergunta que conserva a palavra povo do lado de uma existência livre, quase selvagem, não redutível aos limites das ideologias partidárias [cartaz 'A poesia está na rua', de Vieira da Silva].
Lembrei-me da energia perdida de tais palavras (ou da energia de tais palavras perdidas), vendo algumas cenas dispersas de programas, matinais ou vespertinos, feitos precisamente em nome da "verdade" do povo que se convoca e dá a ver. São programas apresentados em tom obrigatoriamente risonho e festivo, mas muito incómodo. Porquê? Porque os intervenientes (os "populares", precisamente) surgem quase sempre manipulados e formatados. Das duas uma: são tratados como figurantes anónimos, expostos à inclemência do sol, apenas "obrigados" a aplaudir regularmente, sem qualquer espontaneidade; ou, então, são encenados em "entre-vistas" que têm muito pouco de diálogo, uma vez que lhes é exigido que confirmem um retrato paternalista que os transforma em símbolos de uma sempre nostálgica "pureza" (popular, claro). Dir-se-ia que é preciso falar em tom infantil ou pateta e, sobretudo, não dizer nada que possa parecer inteligente, para se ser genuinamente popular…
Compreende-se, por isso, que esta demagogia populista (integrada como coisa "natural" pelas televisões, não poucas vezes nos próprios espaços informativos) possa suscitar, em termos artísticos, as reacções mais violentas. Afinal de contas, não é agradável sermos retratados como uma espécie de bobos mais ou menos risonhos, ansiando pela "glória" de aparecer num ecrã de televisão. Tivemos uma dessas reacções na edição de domingo de Os Contemporâneos, com o violento sarcasmo do sketch/teledisco sobre as férias na praia e seus horrores "civilizacionais" [aqui em baixo]. Foram momentos de tal modo brilhantes e contundentes que, não tenhamos ilusões, já faltou mais para que Os Contemporâneos comecem a ser acusados de "intelectuais". Faz sentido que assim seja: no nosso país, a palavra "intelectual" é muitas vezes usada como for-ma "popular" de insulto.