Vivemos num país dominado por febres sasonais de (des)in-formação. Nos últimos dias, parece que, à parte umas escaramuças sem importância na Geórgia (onde?...), o mundo está suspenso dos assaltos a bancos, casas e velhinhos que ocorrem no nosso lusitano recanto... Ironia? Ma non troppo.
Recorde-se, por exemplo, o mais recente relatório da Direcção-Geral dos Recursos Florestais: é certo que estamos longe da catástrofe de 2005, mas será que o cidadão comum tem noção de que os 4685 hectares ardidos entre 1 de Janeiro e 15 de Julho significam uma aumento de 52 % em relação a idêntico período do ano passado? Será que estamos genericamente informados sobre tal situação? Tenho dúvidas. A histeria de outras ocasiões deu lugar a um silêncio tecido de indiferença. E, pelo menos para quem vê sobretudo televisão, não há dúvida que os dramas de Cristiano Ronaldo são incomparavelmente mais preocupantes para os destinos da humanidade...
Em boa verdade, estamos perante um dos efeitos mais correntes do modelo dominante de jornalismo: é importante, ou "faz-se" importante, aquilo em torno qual se pode criar um qualquer efeito de choque, imediatista e maniqueísta.
Está a acontecer algo do género com a percepção de um país tão rico, complexo e fascinante como a China e, em particular, com a problematização da questão dos direitos humanos. Questão grave, delicada, impossível de ser compreendida de forma ligeira ou anedótica (que o diga Steven Spielberg). O certo é que isso não impediu que se tenha instalado uma espécie de nevoeiro ideológico — jornalístico e muito bloguístico — que "obriga" a classificar tudo o que nos chega dos Jogos Olímpicos de Pequim como manifestação de uma "imperfeição" política que devemos rasurar do mapa. No seu simplismo, tal atitude leva a considerar que a abertura dos Jogos até terá sido impressionante, mas os "tipos" não respeitam os direitos humanos... Provavelmente, por altura da guerra do Vietname (se é que já tinham nascido), tão heróicos vingadores deixaram de ver filmes produzidos em Hollywood...
Na sua dimensão caricatural, tais peripécias confrontam-nos com duas ilusões particularmente gravosas. A primeira é de natureza histórica e política, até porque a questão dos direitos humanos — e, em particular, o destino do Tibete — envolve valores muito sérios e inalienáveis. Ou seja: trata-se de saber que inteligência e agilidade teremos para lidar com os sinais imensos, plurais e contraditórios de um país, a China, que é um parceiro vital do futuro de todo o planeta, sem encerrar as nossas atitudes (e, por certo, as atitudes dos chineses) numa dicotomia paternalista em que nós, "ocidentais", seríamos os detentores de uma verdade única e unívoca.
A segunda é mais especificamente mediática e condensa-se numa interrogação angustiada: como manter o espírito aberto vivendo num mundo de (des)informação que, todos os dias, fabrica conflitos esquemáticos e pueris, em tudo e por tudo simplificadores da imensa complexidade de qualquer relação humana, seja entre indivíduos, seja entre Estados?
Aqui e agora, o castastrofismo é o estilo mais forte no jornalismo, sobretudo o jornalismo de raiz televisiva. Pensar para além das suas simplificações abusivas é uma tarefa de todos os dias. Neste caso, por respeito dos cidadãos chineses, mas também da mais básica inteligência de cada um de nós — tão longe, tão perto.