A revista Interview antecipou as comemorações dos 80 anos do nascimento de Andy Warhol com um número que serve, de uma só vez, de evocação e discussão das relações entre arte e mercado — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 Junho), com o título 'Fazer arte, fazer dinheiro'.
NOTA: a referência a Drácula (1974), de Paul Morrissey, contém um erro, já que o filme não era a três dimensões — foi Frankenstein (1973), também dirigido por Morrissey e produzido por Warhol, que estreou em muitas salas em 3D (incluindo em Lisboa, no antigo Monumental).
Face à imagem [em cima] que ilustra este texto, será inevitável o leitor evocar de imediato a memória de Andy Warhol (1928-1987). A paradoxal serenidade do seu rosto triste e também, claro, a sua famosa cabeleira branca são elementos essenciais da homenagem proposta por Marc Jacobs (fotografado por Mikael Jansson). A fotografia de Jacobs integra um número muito especial da Interview (Junho/Julho), revista que o próprio Warhol criou em 1969: trata-se de antecipar a data do 80º aniversário do nascimento de Warhol (6 de Agosto), propondo uma viagem através das memórias dos que com ele conviveram e, ao mesmo tempo, expondo os mais diversos trabalhos, atitudes e filosofias que colhem inspiração na sua vida & obra.
A escolha de Marc Jacobs como uma espécie de projecção fantasmática de Warhol não tem, obviamente, nada de acidental (aliás, é um outro grande plano do seu rosto, da mesma série, que figura na capa desta edição da Interview). Na sua qualidade de designer de moda muitas vezes associado a outros géneros de criações, incluindo a publicidade, Jacobs encarna de forma exemplar o conceito, “war-holiano” por excelência, de uma arte constantemente envolvida com o mercado, sem hipocrisias nem preconceitos.
Em entrevista com Glenn O’Brien, director editorial da Interview, Jacobs coloca de forma subtilmente irónica as questões que podem envolver a validação pública da arte. Evocando uma polémica desencadeada por uma instalação de malas numa loja da Louis Vuitton (marca francesa de que o próprio Jacobs é o actual director artístico), lembra que se produz sempre alguma agitação quando se desafiam as formas correntes de rotular os objectos ou comportamentos: “Se a coisa estiver instalada numa exposição num museu, então já se torna uma espécie de performance conceptual? (...) Quando vamos a uma loja de discos e lá diz ‘alternativa’ para descrever um determinado género de música, não será que qualquer música é alternativa a outro tipo de música?”.
Os temas lançados pela entrevista de Jacobs e, de um modo geral, toda a contagiante alegria criativa deste número da Interview são tanto mais pertinentes quanto partem do reconhecimento da existência de uma entidade: o mercado. Mais do que isso: assumem o seu carácter absolutamente incontornável. Convém, aliás, não esquecer um dos mais perversos axiomas enunciados pelo próprio Warhol: “Fazer dinheiro é arte, trabalhar é arte e os bons negócios são a melhor arte.”
São, no fundo, ideias cândidas. Mas são ideias cuja actualidade se mantém, quanto mais não seja porque se demarcam do mercantilismo televisivo que, muito objectivamente, odeia todas as formas de arte (veja-se o triunfo global das telenovelas e dos seus valores narrativos e humanos). São, afinal, ideias enraizadas na prática de um homem que, também ele, se encontra catalogado por muitos rótulos. Leia-se, a propósito, o depoimento de Paul Morrissey, cineasta que trabalhou numa série de filmes produzidos por Warhol, incluindo o célebre Drácula (1974), em 3D: “Não era alguém com que se podia aprender, mas sim alguém que se destacava e suscitava respeito; não bebia, não tomava drogas e nunca acumulava dívidas. Não queria perder dinheiro e era responsável. Pagava as suas contas.”
Face à imagem [em cima] que ilustra este texto, será inevitável o leitor evocar de imediato a memória de Andy Warhol (1928-1987). A paradoxal serenidade do seu rosto triste e também, claro, a sua famosa cabeleira branca são elementos essenciais da homenagem proposta por Marc Jacobs (fotografado por Mikael Jansson). A fotografia de Jacobs integra um número muito especial da Interview (Junho/Julho), revista que o próprio Warhol criou em 1969: trata-se de antecipar a data do 80º aniversário do nascimento de Warhol (6 de Agosto), propondo uma viagem através das memórias dos que com ele conviveram e, ao mesmo tempo, expondo os mais diversos trabalhos, atitudes e filosofias que colhem inspiração na sua vida & obra.
A escolha de Marc Jacobs como uma espécie de projecção fantasmática de Warhol não tem, obviamente, nada de acidental (aliás, é um outro grande plano do seu rosto, da mesma série, que figura na capa desta edição da Interview). Na sua qualidade de designer de moda muitas vezes associado a outros géneros de criações, incluindo a publicidade, Jacobs encarna de forma exemplar o conceito, “war-holiano” por excelência, de uma arte constantemente envolvida com o mercado, sem hipocrisias nem preconceitos.
Em entrevista com Glenn O’Brien, director editorial da Interview, Jacobs coloca de forma subtilmente irónica as questões que podem envolver a validação pública da arte. Evocando uma polémica desencadeada por uma instalação de malas numa loja da Louis Vuitton (marca francesa de que o próprio Jacobs é o actual director artístico), lembra que se produz sempre alguma agitação quando se desafiam as formas correntes de rotular os objectos ou comportamentos: “Se a coisa estiver instalada numa exposição num museu, então já se torna uma espécie de performance conceptual? (...) Quando vamos a uma loja de discos e lá diz ‘alternativa’ para descrever um determinado género de música, não será que qualquer música é alternativa a outro tipo de música?”.
Os temas lançados pela entrevista de Jacobs e, de um modo geral, toda a contagiante alegria criativa deste número da Interview são tanto mais pertinentes quanto partem do reconhecimento da existência de uma entidade: o mercado. Mais do que isso: assumem o seu carácter absolutamente incontornável. Convém, aliás, não esquecer um dos mais perversos axiomas enunciados pelo próprio Warhol: “Fazer dinheiro é arte, trabalhar é arte e os bons negócios são a melhor arte.”
São, no fundo, ideias cândidas. Mas são ideias cuja actualidade se mantém, quanto mais não seja porque se demarcam do mercantilismo televisivo que, muito objectivamente, odeia todas as formas de arte (veja-se o triunfo global das telenovelas e dos seus valores narrativos e humanos). São, afinal, ideias enraizadas na prática de um homem que, também ele, se encontra catalogado por muitos rótulos. Leia-se, a propósito, o depoimento de Paul Morrissey, cineasta que trabalhou numa série de filmes produzidos por Warhol, incluindo o célebre Drácula (1974), em 3D: “Não era alguém com que se podia aprender, mas sim alguém que se destacava e suscitava respeito; não bebia, não tomava drogas e nunca acumulava dívidas. Não queria perder dinheiro e era responsável. Pagava as suas contas.”