domingo, julho 06, 2008
Vozes que cruzam tempos
A ideia de cruzar tempos com denominador comum num mesmo registo musical está na base de Scattered Rhymes, álbum que o colectivo vocal Orlando Consort acaba de editar pela Harmonia Mundi. Na base do alinhamento está um programa que o grupo habitualmente apresenta em concertos, nos quais apresenta a célebre Messe de Notre Dame do francês Guillaume de Machaut e a mais recente Scattered Rhymes, do inglês Tarik O’Regan. Perto de 700 anos separam as duas obras. A Messe de Notre Dame, de Machaut (c.1300-1377) foi a primeira missa completa alguma vez compostal. Crê-se que data do ano 1360 e claramente ditou modelos que marcaram a música do seu tempo. Machaut, que se julga ter nascido na alvorada do século XIV, era um poeta célebre numa Europa ainda assombrada pela memória da peste negra e da Guerra dos 100 anos. A consciência da sua mortalidade terá sido a inspiração para a composição de uma missa que não se saber se terá sido a ser publicamente apresentada em sua vida. Certo é, contudo, o facto do compositor ter crido um fundo que permitisse a interpretação da obra numa missa de sétimo dia depois da sua morte. Uma certa liberdade mora nas notações que, hoje, permitem a sua interpretação com relativa projecção da personalidade dos executantes. E como se defende no booklet do disco, foi essa liberdade que determinou o clima que definiu o alinhamento de Scattered Rhymes. A obra que dá título ao disco, composta em 2006 por Tarik O’Regan (n. 1978), é directamente inspirada pela missa de Machaud, e combina um texto de Petrarca com um outro, da mesma época, de autor inglês anónimo. A obra de O’Regan acolhe a tradição polifónica num espaço de inspiração contemporânea, e abre mote para o restante alinhamento de um álbum onde se escutam ainda peças das duas épocas convocadas. Ave Regina Celorum de Dufay (c. 1400-1474) e Douce Dame Jolie de Machaud, na colheita medieval. Super Flumina de Gavin Bryars (n. 1943) e Virelai: Douce Dame Jolie, de O’Reagan, na face contemporânea.