domingo, julho 06, 2008

Baralhar e voltar a dar...

Em 1997, o até então praticamente desconhecido realizador austríaco Michael Haneke ganhou notoriedade junto do público cinéfilo com o filme Brincadeiras Perigosas (Funny Games no original). Perturbante reflexão sobre a violência, o filme, estreado esse ano em Cannes, acompanha um par de psicopatas que visita e mata, um a um, os elementos de uma família de classe média que vive, isolada, à beira de um lago. Michael Haneke esperava que este seu olhar sobre a violência atingisse aqueles que, a seu ver, consomem violência. E chegou mesmo a definir Brincadeiras Perigosas, como recentemente recordou a Sight & Sound, como "um filme anti-Tarantino" apontado ao público norte-americano, que, como define, "é o consumidor por excelência de entretenimento de massas". Estreada então nos EUA no circuito arthouse, a versão original não conseguiu chegar a mais que seis mil espectadores. Daí a primeira justificação para que, onze anos depois, o realizador tenha refeito o filme. Em inglês (no lugar do alemão original), usando actores como Naomi Watts, Tim Roth ou Michael Pitt e deslocando a acção para Long Island, perto de Nova Iorque. Michael Haneke refez o filme plano a plano, repetindo cenários, mise en scène e até mesmo os diálogos. Um pouco como o norte-americano Gus Van Sant fez, há precisamente dez anos, a partir do clássico Psico, de Alfred Hitchcock.

O remake , ou seja, a criação de novas versões de velhos filmes, está longe de ser novidade na história do cinema. Mas Haneke não é, contudo, o primeiro realizador a chamar às suas mãos a recriação de um filme, na origem, também seu. Em 1956, Cecil B. DeMille regressou ao plateu para, com maior orçamento, mais figurantes e estrelas de primeiro plano, refazer os"seus" Dez Mandamentos, que originalmente rodara, ainda nos dias do cinema mudo, em 1923 (cartaz na foto). O mesmo ano assistiu à estreia de outro remake "de autor". Com Doris Day e James Stewart como protagonistas, e orçamento claramente reforçado, Alfred Hitchcock recriou O Homem Que Sabia Demais, que havia já filmado, mas com outro elenco, em 1934. Mais recente é a revisão, pelo realizador holandês George Sluizer, do filme O Homem Que Queria Saber, de 1988, que então venceu o Fantasporto. Cinco anos depois, em Hollywood, com Nick Nolte a bordo, apresentou A Desaparecida, que se revelou um valente tiro ao lado.
PS. Texto publicado no DN a 3 de Julho