quinta-feira, julho 24, 2008

Karadzic: também por palavras

A prisão do antigo líder dos sérvios da Bósnia, Radovan Karadzic, acusado de crimes de genocídio contra os muçulmanos bósnios durante a Guerra da Bósnia (1992-95) — e, em particular, do massacre de Srebrenica, em 1995 — fez proliferar muitos pares de imagens como este: à esquerda, Karadzic em 1996; à direita, tal como foi capturado, em Belgrado, no passado dia 21 (imagens incluídas no dossier da NPR).
Na verdade, são imagens que correm o risco de circular de forma quase fútil, por assim dizer expondo o potencial burlesco dos caminhos do Mal. São, por isso, imagens que importa não deixar cair numa espécie de entorpecimento abstracto. Antes de tudo o mais, importa acrescentar-lhes outras imagens. Por exemplo, esta do massacre de Srebrenica (incluída numa galeria sobre Karadzic, proposta pelo jornal Libération).

Mas as imagens não bastam. Num tempo de endeusamento fácil, quase sempre demagógico e mentiroso, das "imagens-pelas-imagens", importa subinhar a importância material, política e simbólica do acto de dar a ver, mas sem nunca esquecer o valor radical do dizer, do falar, isto é, do labor específico e insubstituível das palavras.
Espantoso e perturbante exemplo dessa obstinada procura das palavras justas (justas de justeza) é o artigo de Anthony Loyd — 'No birdsong breaks the silence in woods haunted by the ghosts of mass murder' (à letra: ´Nenhum canto de pássaro quebra o silêncio em bosques assombrados pelos fantasmas do assassínio em massa') — no jornal londrino The Times. Correspondente de guerra durante os anos do conflito na Bósnia, Loyd evoca o que viu e, em particular, a descoberta de um cenário dantesco de cadáveres mutilados pelas forças ao serviço de Karadzic: "Era como se um desenho a carvão de Goya tivesse ganho vida."

GOYA, Os Desastres da Guerra ('Caridad', desenho 27), 1810