quinta-feira, junho 19, 2008

Sinais do tempo: o repórter apocalíptico

É um dos produtos da nova idade da televisão, isto é, desse modelo de indiferença pela dignidade humana consagrado pelo Big Brother: é o repórter apocalíptico. Como definir esse repórter? Digamos que ele pode ter atrás de si duas crianças a saltar uma fogueira, mas arranjará sempre maneira de dizer que estamos a assistir a uma colónia balnear infantil a ser devorada pelo fogo...
Tivemos um exemplo disso esta noite, por volta das dez horas, na TVI. Ao ser entrevistado, Luís Filipe Scolari é confrontado com esta questão inimaginável... mas efectiva: "Já tem jogadores a chorar no balneário?"
E não se julgue que a TVI surge, aqui, como a entidade "maligna" — trata-se de um mero sintoma de algo que, desoladoramente, está a destruir o talento real, e o potencial ainda mais real, de muitos jornalistas do nosso país. O mais terrível é que a televisão triunfa, assim, como uma máquina narrativa, ou melhor, um dispositivo que impõe a sua narrativa à própria pulsação do mundo. Já não interessa saber, tentar saber, procurar factos, aceitar a complexidade desses mesmos factos, reconhecer a pluralidade do factor humano, respeitá-lo e fazer tudo para não o simplificar tanto nas suas certezas como nos seus enigmas... Nada disso interessa: naquele momento era "obrigatório" haver jogadores a chorar.
Confesso a minha fraqueza. Confesso que, naquele momento, também entrei em transe apocalíptico e ouvi Scolari a responder: "Meu caro, os meus jogadores não são personagens das suas telenovelas." Mas não, era ilusão — afinal de contas, ele estava apenas a tentar dizer a evidência que, em nome do "patriotismo", tanto se recalcou. Ou seja: a selecção alemã é muito boa.