sábado, junho 14, 2008

Shyamalan: revisitar o medo

Como é que a América vive a herança traumática do 11 de Setembro? E qual a sua consciência ecológica num planeta cada vez mais afectado pela degradação dos elementos naturais? O novo filme de M. Night Shyamalan, The Happening/O Acontecimento, é um belo exercício cinematográfico que integra, de forma subtil e poética, tais interrogações — este texto foi publicado no Diário de Notícias (12 Junho), com o título 'Paraíso americano'.

Há cineastas cujos sucessos comerciais ajudam a construir uma fortíssima imagem de marca. M. Night Shyamalan é um deles: o seu nome é um elemento promocional que instala expectativas precisas. Quase inevitavelmente, esse volta a ser o grande desafio da história que se conta em O Acontecimento e cujo desenvolvimento a mais básica decência jornalística aconselha a não revelar.
O “ataque” inicial, no Central Park de Nova Iorque, evoca as referências mais diversas, desde as de natureza histórica (os traumas do 11 de Setembro) até às especificamente cinéfilas (uma certa ambiência de inquietação vinda de alguma ficção científica da década de 50). O certo é que cedo percebemos que não é tanto o “porquê?” que interessa esclarecer, mas sim o “como” está a acontecer.
Insistindo no minimalismo de outros momentos, Shyamalan elabora um filme que caminha para uma estranha e impressionante claustrofobia, tanto mais paradoxal quanto se constrói quase sempre a partir de espaços abertos (as zonas rurais para onde fogem os protagonistas). Por um lado, sentimos que o extremismo da situação expõe os desequilíbrios da ordem vigente, familiar ou colectiva; por outro lado, quanto mais o mistério se adensa, mais ganha importância o retorno aos lugares viscerais da Natureza (sim, com maiúscula) e o sentimento de que a ilusão humana do Bom Selvagem é uma espécie de preciosidade mitológica que ficou fechada nos contos de fadas.
O Acontecimento talvez se possa definir, então, como um reencontro trágico da América com a própria ideia de um Paraíso Natural. Em termos cinematográficos, é uma proposta tanto mais desconcertante (e oportuna) quanto os filmes meramente digitais nos têm feito esquecer a beleza e o medo que nascem de acontecimentos rudimentares a que Shyamalan devolve uma tocante dignidade dramática: o agitar das folhas das árvores, o som do vento, os matizes das ervas secas. Não é um filme lírico ou meramente ecológico, mas sim genuinamente romântico: trata-se de evocar aquilo que, em nome do progresso, para sempre perdemos.

>>> Em 2007, na sequência das suas listas dos "100 melhores" filmes em várias áreas, o American Film Institute perguntou a muitas personalidades do meio cinematográfico qual o seu "filme favorito" — esta é a resposta de M. Night Shyamalan.