A Federação Portuguesa de Futebol fala em "completa tranquilidade", como se alguém pudesse estar ameaçado por alguma forma de maligna intranquilidade... A dramatização histérica da presença portuguesa no Euro é, neste momento, a linguagem socialmente dominante. Será que ainda há espaço para, apenas, se poder admirar um jogo de futebol? Este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Junho), com o título 'E se a minha selecção for eliminada?...'
Nas últimas semanas (e nas próximas...), é fácil dizer quais são as imagens com mais poder na sociedade portuguesa. Dos órgãos de informação à publicidade, dos decisores políticos aos agentes económicos, todos aplicam imagens da selecção nacional de futebol, todos remetem para essas imagens, por vezes nelas buscando cumplicidade ou caução.
É pena que a herança simbólica do 25 de Abril, sobretudo a que se enredou em dicotomias fáceis, tenha excluído uma das palavras que mais ajudou a sustentar as maravilhas (e também os excessos) da Revolução dos Cravos. Essa palavra é a palavra “povo”. Tal apagamento produz alguns bizarros contrastes: por um lado, qualquer intervenção intelectual que defenda aquilo que não passa nos horários nobres das televisões, tende a ser demonizada como coisa esotérica e pretensiosa, desligada do “povo” e das suas peculiaridades; por outro lado, personalidades do futebol e da política defendem-se com o conceito de “povo” para legitimar a histeria mediática e o triunfo do marketing em que o futebol nos enreda.
Um dos efeitos mais chocantes de tal histeria é a quase total impossibilidade de uma visão realmente desportiva da própria selecção e da sua participação neste Euro 2008 (entre as excepções, cito as palavras realistas e sensatas de David Borges, domingo à noite, na SIC Notícias). Desde logo, porque raríssimas vezes se discute a simples qualidade futebolística. De facto, é surpreendente que se tente banalizar o facto de a selecção orientada por Luís Filipe Scolari ter sido, até agora, nos momentos decisivos, uma equipa perdedora. É mesmo inacreditável que se menosprezem as qualidades de todas as outras equipas, a começar por aquelas que estão no grupo dos portugueses: escamoteia-se que o futebol checo é dos mais criativos e imprevisíveis da Europa, que os turcos têm melhorado imenso nos últimos anos e que os suíços, além de jogarem em casa, demonstram uma crescente sofisticação táctica.
E confesso a minha total indispo-nibilidade para os sermões da praxe. Dispenso os discursos dos guardiões morais do futebol, sempre empenhados em dar aos outros lições de “patriotismo”. Aliás, não os vi minimamente atentos às ressonâncias do nome de Portugal quando, há dias, Manoel de Oliveira recebeu no Festival de Cannes aquela que é, para todos os efeitos, a maior distinção de que já foi objecto o cinema português. Na verdade, não gosto menos da selecção portuguesa e dos seus jogadores por ter uma visão pragmática daquelas que me parecem ser as suas (muitas) limitações. Apenas me pergunto (e lhes pergunto) que espécie de ideias, sentimentos ou valores querem dar ao seu muito querido “povo” quando promovem esta visão triunfalista e pueril do futebol português.
Sei que sou céptico: considero mesmo que, na actual conjuntura futebolítistica, a eventual eliminação da selecção portuguesa na fase de grupos é um facto normal, sem nada de dramático. Mas não são os resultados desportivos que estão em causa. Para que não restem equívocos: mesmo que Portugal seja campeão da Europa, o populismo político, mediático e publicitário montado em torno da selecção é uma página triste para a história da nossa identidade colectiva.
Nas últimas semanas (e nas próximas...), é fácil dizer quais são as imagens com mais poder na sociedade portuguesa. Dos órgãos de informação à publicidade, dos decisores políticos aos agentes económicos, todos aplicam imagens da selecção nacional de futebol, todos remetem para essas imagens, por vezes nelas buscando cumplicidade ou caução.
É pena que a herança simbólica do 25 de Abril, sobretudo a que se enredou em dicotomias fáceis, tenha excluído uma das palavras que mais ajudou a sustentar as maravilhas (e também os excessos) da Revolução dos Cravos. Essa palavra é a palavra “povo”. Tal apagamento produz alguns bizarros contrastes: por um lado, qualquer intervenção intelectual que defenda aquilo que não passa nos horários nobres das televisões, tende a ser demonizada como coisa esotérica e pretensiosa, desligada do “povo” e das suas peculiaridades; por outro lado, personalidades do futebol e da política defendem-se com o conceito de “povo” para legitimar a histeria mediática e o triunfo do marketing em que o futebol nos enreda.
Um dos efeitos mais chocantes de tal histeria é a quase total impossibilidade de uma visão realmente desportiva da própria selecção e da sua participação neste Euro 2008 (entre as excepções, cito as palavras realistas e sensatas de David Borges, domingo à noite, na SIC Notícias). Desde logo, porque raríssimas vezes se discute a simples qualidade futebolística. De facto, é surpreendente que se tente banalizar o facto de a selecção orientada por Luís Filipe Scolari ter sido, até agora, nos momentos decisivos, uma equipa perdedora. É mesmo inacreditável que se menosprezem as qualidades de todas as outras equipas, a começar por aquelas que estão no grupo dos portugueses: escamoteia-se que o futebol checo é dos mais criativos e imprevisíveis da Europa, que os turcos têm melhorado imenso nos últimos anos e que os suíços, além de jogarem em casa, demonstram uma crescente sofisticação táctica.
E confesso a minha total indispo-nibilidade para os sermões da praxe. Dispenso os discursos dos guardiões morais do futebol, sempre empenhados em dar aos outros lições de “patriotismo”. Aliás, não os vi minimamente atentos às ressonâncias do nome de Portugal quando, há dias, Manoel de Oliveira recebeu no Festival de Cannes aquela que é, para todos os efeitos, a maior distinção de que já foi objecto o cinema português. Na verdade, não gosto menos da selecção portuguesa e dos seus jogadores por ter uma visão pragmática daquelas que me parecem ser as suas (muitas) limitações. Apenas me pergunto (e lhes pergunto) que espécie de ideias, sentimentos ou valores querem dar ao seu muito querido “povo” quando promovem esta visão triunfalista e pueril do futebol português.
Sei que sou céptico: considero mesmo que, na actual conjuntura futebolítistica, a eventual eliminação da selecção portuguesa na fase de grupos é um facto normal, sem nada de dramático. Mas não são os resultados desportivos que estão em causa. Para que não restem equívocos: mesmo que Portugal seja campeão da Europa, o populismo político, mediático e publicitário montado em torno da selecção é uma página triste para a história da nossa identidade colectiva.