domingo, junho 22, 2008

Entre irmãos

A luta de classes, as querelas ideológicas, o calor da discussão política, são ingredientes com lugar de relevo na história do cinema italiano. Sem procurar necessariamente aí uma caução para O Meu Irmão É Filho Único, o realizador Daniele Luchetti encontrou, nas páginas do romance de Antonio Pennacchi, Il Fasciocomunista, uma história na qual toda esta escola narrativa se projectava numa outra característica de referência do cinema do seu país: o "clássico" conflito entre irmãos. Com argumento assinado pela dupla constituída por Sandro Petraglia e Stefano Rulli (os mesmos de A Melhor Juventude), O Meu Irmão É Filho Único acaba por se afirmar como um herdeiro natural de todas estas tradições.Com alguma razão, o realizador defende que este não é um filme político. Mas, antes uma história de irmãos que se envolvem na luta política. A acção decorre ao longo da década de 60, em Latina uma cidade criada em 1932 por Mussolini sobre antigos terrenos pantanosos. E em Latina encontramos uma família proletária. O filho mais velho, Manrico (interpretado por Riccardo Scamarcio), é um comunista convicto e trabalha numa fábrica. O mais novo, Accio (Elio Germano), mais dado aos livros que ao trabalho de braços, depois de abandonar o seminário ao sentir desejos menos próprios a quem visa o celibato, acaba seduzido pela doutrina oposta à que o irmão defende. Ignorado pela família, encarado pelos pais e irmãos (há uma irmã, pelo meio) como um fardo depois de frustrada a carreira no sacerdócio que todos viam como a melhor solução para uma casa de baixos rendimentos, Accio encontra amizade num vendedor de tecidos, assumido fascista, saudoso da Itália de Mussolini. O seu discurso e visões encantam o jovem, que rapidamente acaba inscrito numa célula política da região e começa a participar em acções. Em algumas delas entrando em conflito directo com o irmão mais velho.
Sem tomar partido por qualquer das partes, centrando a atenção mais na conflituosa relação familiar que no debate de ideias, o filme abre contudo janelas de lucidez crítica perante os excessos característicos de alguns extremismos. E é hilariante o momento em que o Conservatório "ocupado" apresenta uma Ode à Alegria, de Beethoven, com letra "desfascistizada" (como a apresentam), onde não faltam referências aos grandes ideólogos do comunismo.
Belíssima direcção de actores, ritmo intenso, e uma cuidada recriação da Itália de 60 garantem a verosimilhança a um conflito que não se esgota contudo no seu mais evidente tutano político. A música desempenha um papel importante na caracterização de época que o filme respeita. Através da utilização de vozes e êxitos característicos da Itália de então, a viagem no tempo é irrepreensível.
PS. Versão editada de um texto publicado no DN