quinta-feira, junho 05, 2008

Em conversa: Vampire Weekend (2/3)

Continuamos a publicação de uma entrevista com Ezra Koenig, dos Vampire Weekend, que serviu de base a um artigo publicado a 29 de Maio no DN.

Em muitos dos textos publicados sobre os Vampire Weekend fala-se de Brooklyn. Qual é a vossa ligação com o bairro?
Nenhum de nós é originalmente de Brooklyn. A ligação, à partida, teve mais a ver com os clubes onde tocámos. Falam de nós como uma banda de Brooklyn, mas vimos de outros lugares. Mais tarde mudei-me para Brooklyn, porque queria estar perto dos locais que tinham a ver com o meu trabalho como músico e não por relação com qualquer identidade. Todos nós crescemos, na verdade, em locais bem diferentes de Nova Iorque.

E juntaram-se em Manhattan...
Sim, a Universidade de Columbia é em Manhattan. Brooklyn fica longe... Só depois de terminarmos a faculdade é que alguns de nós se mudaram para Brooklyn. Mas não faz sentido que nos tratem como uma banda de Brooklyn... Começámos por ser uma banda de Columbia. Ou seja, de Manhattan. Mas faz mais sentido que nos vejam como uma banda de Nova Iorque. Na verdade não temos muita relação cultural com muito do que se associa a Brooklyn.

Brooklyn é hoje um bairro onde moram muitos artistas. Tem alguma coisa a ver com o facto de, nos dias das rendas baratas, o Village ter sido também casa para músicos, escritores e pintores?
Brooklyn é diferente do Village. E eram tempos diferentes. E voltando a falar do conceito de classe, temos de reconhecer que Nova Iorque é uma cidade onde as divisões por classes são muito evidentes. O Village era por tradição um bairro boémio. E um pouco por isso é que o Bob Dylan lá acabou por morar nos anos 60. Agora é diferente. E o dinheiro que cada um tem define para onde se pode mudar. E isso cria alguns problemas de vez em quando. Uma certa noção romântica da cidade já não faz sentido.

Além de África há referências à música clássica no vosso disco... São ideias pouco habituais em bandas que nascem das heranças do pós-punk.
Nunca pensámos sobre o que nos poderia fazer diferentes dos outros. A verdade é que até há uma razão para estes encontros musicais. A dada altura estava a estudar os tempos coloniais. E interessou-me muito estudar as relações que poderia haver entre a cultura inglesa e a americana. A América deve muito à cultura inglesa. Mas o peso de África na cultura americana é também enorme. Musicalmente interessava-me expressar essas relações. Ver como esses mundos se poderiam cruzar na nossa música. Como seria imaginar um sentido de groove na música clássica, que relacionamos com a memória dos tempos coloniais? A combinação desse sentido clássico e do groove foi uma ideia que nasceu connosco como banda. E daí partimos para a procura de algo nosso... Essa combinação creio que é evidente em algumas das nossas canções.

A ideia de híbridos, na verdade, é até uma marca da identidade musical nova iorquina... Esta ligação da música clássica aos ritmos de outras paragens, por exemplo, não fica muito longe de algumas marcas da obra de Leonard Bernestein...
Sim. Ele foi dos primeiros a cruzar a tradição da música clássica com a música latina. Elevou a música latina ao que muitos designam por alta cultura.

Diria que são uma banda americana de raiz? Ou seja, herdam da memória colonial e de África...
Sim, temos uma perspectiva americana... Mas na verdade o ser americano traduz uma imensidão de referências. Muitas coisas e muitas pessoas. Eu reconheço que em mim há desde sempre uma obsessão de raiz com a relação com Inglaterra. As relações culturais com Inglaterra são um dos assuntos que mais me interessa.

É mais frequente vermos artistas americanos expressar relações genéticas com outras antigas heranças americanas. Irlanda, Itália e muitas outras mais fontes de emigração... Poucas vezes vemos quem goste de evocar essas ligações mais ancestrais...
É verdade. Ao crescer na América é natural que cedo desperte em nós essa curiosidade pela diversidade, pela combinação de referências. Todos somos emigrantes... E todos acabam interessados por híbridos culturais, pela noção de troca, pela colaboração.
(conclui amanhã)