Discos da semana, 16 de Junho

Do lado de lá do mundo chega um dos discos mais cativantes da temporada. Cativante, sobretudo pela forma como dá novas vidas às múltiplas referências que convoca, que vão desde as visões desafiantes das criações em finais de 60 de um Van Dyke Parks às linguagens híbridas das revelações mais recentes família Animal Collective (Person Pitch de Panda Bear, portanto, incluído), isto sem esquecer marcas de geografia neo-zelandesa nem mesmo inesperado (mas pontual) piscar de olho à herança pop de uns New Order... Estes são alguns dos mundos que se cruzam na música dos The Ruby Suns. O grupo nasceu há poucos anos quando o californiano Ryan McPhun encontrou nova morada em Aukland, na Nova Zelândia. Na verdade começou por trabalhar noutras ideias (e bandas) até encontrar o seu caminho, estreando-se os Ruby Suns em 2005 com um álbum homónimo que já deixava sinais evidentes de admiração pela figura de Brian Wilson e um gosto pela criação de desafios à forma herdados das melhores lições do psicadelismo, o que lhe valeu comparações com os Olívia Tremor Control... Sea Lion, o segundo álbum, aprofunda a opção firme numa ética DIY (do it yourself) ao serviço de uma música que, mesmo atenta à recriação lo-fi de uma grandiosidade cénica característica de alguma música de finais de 60 e inícios de 70, é claramente manifestação de uma identidade compósita presente. Há quem lhes tenha já chamado “mini-polyphonic spree”, em evidente referência ao gosto de encenação de uma música que parte da criação de ambientes para neles, depois, encontrar a canção. O gosto pela repetição (que por vezes evoca as experiências na canção de Moondog), a curiosidade pela experiência textural, a vastidão de referências evocadas não impede nunca a opção pela forma da canção e até mesmo a busca de um permanente sentido de conforto. De resto, perante a vastidão de sabores temperos, parece caber à personalidade textural das formas a tarefa de manter uno todo um edifício que, no fim, respira sólida personalidade. Um carrocel de acontecimentos que, no ano passado, os The Shins convidaram para as primeiras partes dos seus concertos. E que confirma o que se melhor deles se esperava num álbum que sabe bem ir descobrindo aos poucos.
The Ruby Suns
“Sea Lion”
Sub Pop / Popstock
5 / 5
Para ouvir: MySpace

Há um novo Portugal musical a acontecer atrás do que o nos mostra a esmagadora maioria do espectro de FM e do que é veiculado pela televisão. Em salas de concerto (muitas delas longe dos circuitos mais “instituídos”) e numa primeira etapa de acontecimentos usando a Internet como fonte e destino de muita da sua comunicação, várias famílias de músicos e bandas fazem crer que há algo mais a acontecer para lá do país dos nomes feitos, isto pare nem falar do país dos sucessos sazonais de telenovela, que vendem à pazada por uns meses e logo venham os seguintes... A recente contratação dos Pontos Negros (após promissor EP que deu que falar) por uma multinacional deu a uma das mais interessantes dessas manifestações outrora essencialmente underground um “empurrão” que poderá contribuir para mudar a curto prazo o mapa da visibilidade musical de um Portugal que, afinal, não está aquém do que a importação nos traz no campeonato da chamada música alternativa. Tem personalidade. Garra e alma. E canta em português, como que reencontrando uma razão de ser que não apenas a da vénia aos modelos que se admira. Tiago Guillul não se mudou, como estes velhos parceiros de editora (a Flor Caveira que, de resto fundou) para um catálogo maior. Mas, mais que nunca, o momento é também seu. E meses depois de uma versão em CD-R de IV se ter esgotado, esta oportuna reedição (com cinco temas extra), sob uma parceria que promete outro patamar de alcance ao esforço de promoção e distribuição, garante finalmente a “revelação” a uma figura que, na verdade, já por aqui circula há algum tempo. Blogger activo (é sua a Voz do Deserto), pastor Baptista, músico, produtor... Seis anos de edições “subterrâneas” valeram a definição de uma personalidade musical e uma atitude na escrita que garantem a IV a solidez que caracteriza um discurso que há muito ultrapassou o tactear do ensaio e erro. O punk mora na cave desta música, sobre a qual cresceu entretanto um edifício versátil no qual a surpresa mora a cada andar que se visita. António Variações está entre as suas referências. Porém, onde no minhoto de alma pop encontrávamos a crítica pelo aforismo, em Tiago Guillul o sarcasmo é mais gourmet. E certeiro. Não há hábito, nestes lados, de uma postura musical assim. Só pode ser bem-vinda. E, convenhamos, tem em IV o disco certo para poder ultrapassar o patamar de culto que há já muito conquistou.
Tiago Guillul
“IV”
Flor Caveira/Mbari
4 / 5
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Ao cabo de 38 anos de carreira os Sparks afirmam-se como um caso raro na história da música pop. Sobretudo porque, apesar dos melhores e piores momentos, e dessa rara condição que deles faz fenómeno de culto e mantém como um dos mais bem guardados segredos da pop, continuam a dar sinais de firme opção no seguir de um caminho muito pessoal, mantendo uma invulgar capacidade em renovar linguagens e mesmo sendo capazes de, com alguma frequência, abraçar a surpresa. A sua obra, iniciada em 1970, passou por montes e vales da criação pop. Do glam rock de Kimono In My House (1974) ao disco de escola electrónica de No. One Song In Heaven (1979) , da reinvenção pop de Gratuitous Sax and Senseless Violins (1994) à genial ideia de plágio sobre si mesmos no álbum de regravações e novos arranjos Plagiarism (1997). Isto sem esquecer a obra-prima Lil’Beethoven (2002), pop barroca de travo operático, mas de alma minimalista... Exotic Creatures Of The Deep é o 21º álbum do grupo e promove uma interessante ponte entre os dois momentos-chave da sua obra. Ou seja, junta a herança glam rock de meados de 70 com os desafios pop minimalistas de LIl’ Beethoven. O disco doseia com cuidado a intensidade eléctrica das guitarras e a presença (com maior protagonismo) de uma eloquência sinfónica que dele faz natural sucessor dos dois últimos álbuns de originais. Cereja sobre o bolo, um cortante sentido de humor, característica de resto transversal a toda a obra dos Sparks, impede que a pompa sugerida pela música soe a monumento. A pop ilumina a alma de mais um álbum bem sucedido. E um dos melhores da obra dos Sparks.
PS. Sobre Lighten Up Morrissey os irmãos Mael já fizeram saber que não se trata de uma “indirecta” a Morrissey, mas antes a história de alguém que a ele é comparado.
Sparks
“Exotic Creatures Of The Deep”
Lil Beethoven
4 / 5
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Não é vulgar ver uma revista como a Mojo oferecer, de bandeja, nota máxima a um disco de banda estreante. Aconteceu, este mês, com o primeiro álbum dos Fleet Foxes, uma banda de Seattle que, antes do mais, nos deixa certos de que está alinda longe de esgotado o presente filão alt folk norte-americano. Um ano depois dessa outra brilhante (porém menos mediarizada) estreia que foi a entrada em cena dos californianos Lavender Diamond, os Fleet Foxes promovem, naturalmente sob marcas de personalidade, uma série de reencontros com heranças marcantes, que vão dos Love aos Crosby Stills Nash & Young, dos Beach Boys aos Animal Collective, da folk inglesa à da west coast em finais de 60, temperando tudo com leve pitada de classic rock. A ideia, aqui, não mora contudo na soma das referências, mas antes na forma como todas se diluem e deixam de ver enquanto pedaços de memória identificável numa música que procura ser todas estas marcas ao mesmo tempo, na verdade afirmando-se antes pela descoberta de um “eu” presente no seio de tantas memórias. Comandados por Robin Peckwood, de apenas 24 anos, afirmam-se como uma banda que faz “barroque harmonic pop jams”. O nome, uma vez mais, traduz uma colagem da qual nasce a unidade de uma ideia. Que é nova, mas sabe a toda uma velha tradição, com magníficos exemplos de boa composição (sobretudo no trabalho vocal) e incrível capacidade de sugestão de uma rusticidade de alma hippie que não parece forçada, mesmo sendo coisa de ficção. Aqui se cantam as árvores, os riachos, a luz da manhã... Assim se reinventa um legado, não por artes de corte e colagem, mas pela assimilação e integração. Não será o monumento que a Mojo “canta”. Mas, e com capa de mestre Bruegel, sem dúvida um quadro novo a juntar à galeria do melhor alt folk dos nossos dias.
Fleet Foxes
“Fleet Foxes”
Sub Pop / Popstock
4 / 5
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Toda a exploração de um filão que dê nas vistas acaba sempre, depois da descoberta das verdades iniciais, a revelar sugestões mais oportunistas que aproveitam o comboio em andamento para ver se a coisa pega... Que o diga o filão “novo rock”, ou lá como se chama a coisa que começou, há uns quatro anos, com interessantes incursões pela estão quase esquecida memória do pós-punk e que, nos últimos tempos, salvo raras e pontuais excepções, é lenga-lenga de mais do mesmo, para servir nostalgias disfarçadas de coisa moderna. Os The Ting Tings são mais um bom exemplo desta inconsequente maré. Revelados, é certo, por um fabuloso par de canções pop (Great DJ e That’s Not My Name), espalham-se que nem gente grande perante um desafio para o qual não têm resposta: fazer um álbum. Não mora aqui o preconceito perante um duo ele e ela, do qual “ela” tem pré-história em girl bands. Scott Walker também vinha de uma espécie de boy band da época (os Walker Brothers), mas depois foi o que se viu... O que se passa é que não se encontra no alinhamento de We Started Nothing uma qualquer canção mais ao nível das duas que revelaram a banda ao mundo em 2007. Se algumas afinidades com My Sharona dos Knack temperam com graça That’s Not My Name, a verdade é que o rol de piscadelas de olho aos seus pares mais parece coisa de jogada de estratega que real tradução de uma paixão melómana. Os Ting Tings são umas Cansei de Ser Sexy despidas de alma transgressiva. São uns Yeah Yeah Yeahs polidos para hipermercado. São uma pálida projecção, sem real glamour pop, da genética Blondie... E, como reconhecem no título do álbum, não começaram nada... É bem verdade.
The Ting Tings
“We Started Nothing”
Columbia / Sony BMG
2 / 5
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Também esta semana:
Windsor For The Derby, Coldplay, Dennis Wislon, The Feeder, The Music, Herbaliser, Dead can Dance (reedições), Beach Boys (caixa de singles), Joan As Policewoman

Brevemente:
23 de Junho: Sigur Rós, The Rascals, The Presets, Mariza, My Bloody Valentine (reeedição), Cage The Elephant, Donna Summer, Morten Harket, Disco Itália (compilação), Infadels, Marc Almond (compilação), Billy Idol (best of), Spiritualized (ed local)
30 de Junho: David Bowie (reedição), Dirty Pretty Things, Van Morrison (reedições), Burt Bacharah (antologia)
7 de Julho: Beck, Patti Smith + Kevin Shields, Albert Hammond Jr, Black Kids, Tricky, Melvins, Klaus Shultze, The Dodos, Unkle, Harold Budd

Julho: Beck, Ratatat, Jonathan Richman, Micah P Hinson, Mr Scruff, Wire, U2 (reedições), Marianne Faithfull (live)
Agosto: Teddy Thompson, Durutti Column (BSO), U2 (reedições)