O jornal Libération promoveu um forum sobre as perspectivas, impasses e perplexidades da vida cultural num mundo cada vez mais dependente dos laços imateriais da Internet — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Junho), com o título 'A propósito de uma discussão francesa'.
Este fim de semana, em Paris, no Teatro Nanterre-Amandiers, o jornal Libération organizou um forum de discussão subordinado a um enunciado salutarmente panfletário: “Viva a cultura!”. Para além de dezenas de franceses, da política (Christine Albanel, ministra da Cultura e da Comunicação) ao jornalismo (Jean Daniel), da literatura (Philippe Sollers) à televisão (Jêrome Clément, presidente do canal Arte France), o forum convidou também algumas personalidades de outras origens, incluindo o encenador americano Peter Sellars, o director teatral belga Jan Goossens e o produtor de cinema português Paulo Branco.
Os muitos elementos já publicados no Libération, ou disponíveis no respectivo site (liberation.fr) permitem-nos perceber que a questão contemporânea das imagens surge como absolutamente transversal. Com, pelo menos, três interrogações urgentes e inquietas. Uma primeira, básica: quem detém o poder de produzir imagens? Uma segunda, de filosofia política: quem controla a sua difusão? Enfim, uma terceira, típica dos tempos hiper-mediáticos que vivemos: que futuro queremos para a televisão, em geral, e para a televisão pública, em particular?
Em relação a esta última pergunta, o forum integrou mesmo um debate titulado: “Para que serve a televisão pública?” Vale a pena citar a resposta de Jean-Michel Ribes, director do Teatro du Rond-Point, em Paris: “Serve para ser um serviço público, para o público, entidade que é preciso libertar da máscara deformante que foi colocada no seu rosto pelas audiências e pelo mercado, permitindo-lhe ser considerada na sua dimensão humana. (...) Serve para lembrar que a cultura e o prazer não são contrários.”
Mais do que nunca, esta questão do prazer na cultura é actualíssima. Não porque os discursos culturais, de todas as origens e sensibilidades, o recusem, mas porque o nosso quotidiano está cada vez mais enquadrado por uma estreitíssima e, no limite, ditatorial exaltação do prazer. A acreditar nos horários nobres das nossas televisões, pelo menos nas semanas mais recentes, a dimensão lúdica da existência humana parece mesmo reduzir-se à prática histérica de erguer cachecóis e gritar o nome “Portugal” para... as câmaras!
Não surpreende que um dos aspectos mais quentes do debate cultural passe pelo triunfo das práticas digitais e pela possível secundarização do livro. Significativamente, outra das discussões do forum do Libération nascia da pergunta: “O digital irá destronar a impressão?” Felizmente, o problema está longe de ser maniqueísta. Denis Jeambar, director das Éditions du Seuil, resume-o de forma sugestiva: “O oral sobreviveu ao escrito que sobreviveu à imagem.” E acrescenta, pedagogicamente: “O digital, indo depressa, demasiado depressa, vai nivelar e normalizar. A impressão deve diferenciar, seleccionar, hierarquizar, enriquecer.” Dito de outro modo: não estamos ainda no mundo de Fahrenheit 451 (o romance de Ray Bradbury ou a sua adaptação cinematográfica — foto em baixo —, dirigida por François Truffaut, em 1966), em que a resistência se faz através da preservação da memória da escrita. Grande questão política: fazer viver o prazer dos livros sem demonizar as imagens.
Este fim de semana, em Paris, no Teatro Nanterre-Amandiers, o jornal Libération organizou um forum de discussão subordinado a um enunciado salutarmente panfletário: “Viva a cultura!”. Para além de dezenas de franceses, da política (Christine Albanel, ministra da Cultura e da Comunicação) ao jornalismo (Jean Daniel), da literatura (Philippe Sollers) à televisão (Jêrome Clément, presidente do canal Arte France), o forum convidou também algumas personalidades de outras origens, incluindo o encenador americano Peter Sellars, o director teatral belga Jan Goossens e o produtor de cinema português Paulo Branco.
Os muitos elementos já publicados no Libération, ou disponíveis no respectivo site (liberation.fr) permitem-nos perceber que a questão contemporânea das imagens surge como absolutamente transversal. Com, pelo menos, três interrogações urgentes e inquietas. Uma primeira, básica: quem detém o poder de produzir imagens? Uma segunda, de filosofia política: quem controla a sua difusão? Enfim, uma terceira, típica dos tempos hiper-mediáticos que vivemos: que futuro queremos para a televisão, em geral, e para a televisão pública, em particular?
Em relação a esta última pergunta, o forum integrou mesmo um debate titulado: “Para que serve a televisão pública?” Vale a pena citar a resposta de Jean-Michel Ribes, director do Teatro du Rond-Point, em Paris: “Serve para ser um serviço público, para o público, entidade que é preciso libertar da máscara deformante que foi colocada no seu rosto pelas audiências e pelo mercado, permitindo-lhe ser considerada na sua dimensão humana. (...) Serve para lembrar que a cultura e o prazer não são contrários.”
Mais do que nunca, esta questão do prazer na cultura é actualíssima. Não porque os discursos culturais, de todas as origens e sensibilidades, o recusem, mas porque o nosso quotidiano está cada vez mais enquadrado por uma estreitíssima e, no limite, ditatorial exaltação do prazer. A acreditar nos horários nobres das nossas televisões, pelo menos nas semanas mais recentes, a dimensão lúdica da existência humana parece mesmo reduzir-se à prática histérica de erguer cachecóis e gritar o nome “Portugal” para... as câmaras!
Não surpreende que um dos aspectos mais quentes do debate cultural passe pelo triunfo das práticas digitais e pela possível secundarização do livro. Significativamente, outra das discussões do forum do Libération nascia da pergunta: “O digital irá destronar a impressão?” Felizmente, o problema está longe de ser maniqueísta. Denis Jeambar, director das Éditions du Seuil, resume-o de forma sugestiva: “O oral sobreviveu ao escrito que sobreviveu à imagem.” E acrescenta, pedagogicamente: “O digital, indo depressa, demasiado depressa, vai nivelar e normalizar. A impressão deve diferenciar, seleccionar, hierarquizar, enriquecer.” Dito de outro modo: não estamos ainda no mundo de Fahrenheit 451 (o romance de Ray Bradbury ou a sua adaptação cinematográfica — foto em baixo —, dirigida por François Truffaut, em 1966), em que a resistência se faz através da preservação da memória da escrita. Grande questão política: fazer viver o prazer dos livros sem demonizar as imagens.