É uma ilusão pensarmos que o mundo mudou face ao chamado caso McCann. O mundo televisivo, em particular, vive dominado por um narcisismo sem alternativa: com poucas excepções, a sua lógica consiste em reiterar a sua suposta "neutralidade" filosófica e narrativa. Dito de outro modo: televisivamente, abordar o caso McCann (ou qualquer outro assunto "informativo"...) consiste em dispor as peças de um imaginário que se apresenta como "passivo", "científico" e "transparente". Mais do que muitas igrejas para si reivindicam.
Não surpreenderá, por isso, que perante a proximidade do primeiro aniversário do desaparecimento de Madeleine McCann (3 de Maio) assistamos a uma espécie de sequela académica sustentada pelo gosto corrente das "efemérides". Das "retrospectivas" do caso às especulações sobre o mesmo, voltamos a ser confrontados com digests típicos de filme de policial de quinta ordem (há pouco, na RTP1, vi mesmo uma brevíssima imagem animada de glóbulos vermelhos para "ilustrar" a descoberta de uma presumível prova de sangue) ou, então, com dispositivos grosseiros de tribunal, disfarçados de objectividade, laborando sobre "hipóteses" deliradas até uma histeria de telenovela. Muito pouco mudou, de facto. Mantém-se o quadro "informativo-moralístico" que, mal ou bem, justificou o que aqui se escreveu. O que significa que, globalmente, a televisão continua a assumir-se como a nossa escola e a nossa religião. A passividade que o seu magistério suscita reflecte a nossa preguiçosa acomodação.