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Decididamente, não será possível fazer a história deste festival sem ter em conta a fascinante duplicidade do registo documental. Dito de outro modo: o documentário deixou de ser um espaço específico (eventualmente "especializado"), para passar a existir como uma tendência estética capaz de contaminar todos os géneros e registos de expressão.
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Nesse aspecto, é notável o regresso do inglês Terence Davies [foto em cima], autor de grandes obras (de ficcao) como
A Bíblia de Neon (1995) ou
A Casa da Felicidade (2000). O seu novíssimo
Of Time and the City é uma fascinante viagem através da história da sua cidade, Liverpool, num tom que combina a crónica histórica com as mais delirantes deambulações subjectivas. Algo de semelhante se poderá dizer de
Roman Polanski: Wanted and Desired, de Marina Zenovich, verdadeiro filme-inquérito sobre o caso judicial e mediático em que, há três décadas, o cineasta Roman Polanski [foto em baixo] foi acusado de ter tido relações sexuais com uma menor.
Ambos os filmes não escondem ao que vem. Ou seja: Davies expõe com contundente desencanto a sua visão sobre a evolução social e cultural da Grã-Bretanha, enquanto o filme de Zenovich é claramente centrado nas arbitrariedades ocorridas no sistema de justiça dos EUA. Em todo o caso, nada disso diminui o seu impacto. Bem pelo contrário: afinal de contas, documentar não é pregar uma neutralidade acima dos homens e das instituições, mas sim
escolher — filmar e escolher um ponto de vista.
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