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Eis um dos casos em que o DVD nos permite a (re)descoberta de uma referência cinematográfica tão chocantemente esquecida ou mar-ginalizada. Tantas vezes usada de forma gratuita e mais ou menos pitoresca, a noção de
filme maldito adequa-se a um objecto como
Pola X (1999), de
Leos Carax. Basta recordar o modo como a sua apresentação no Festival de Cannes (também em 1999) foi acompanhada por um coro de "desilusões", sobretudo da imprensa francesa, ancorado na ideia segundo a qual Carax estaria a renegar a sua condição de "discípulo" tardio da Nova Vaga, afirmada através de filmes como
Boy Meets Girl (1984),
Mauvais Sang (1986) e, sobretudo,
Les Amants du Pont-Neuf (1991).
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De facto, Carax não estava à procura de ilustrar nenhum "estatuto". Bem pelo con-trário, ao fazer
Pola X a partir de um romance publicado em 1852 —
Pierre or the Ambiguities, de Herman Melville —, o seu trabalho consiste em algo mais do que a mera "transposição" para o presente: trata-se de colher em Melville as marcas de um drama em que amor e incesto se cruzam num labirinto que, em última instância, nos coloca face a uma fúria de viver sempre enredada com a nitidez da morte.
A história do jovem escritor cuja existência se transfigura com a descoberta de uma meia-irmã que a sua mãe recusa reconhecer evolui, assim, como uma tragédia que, paradoxalmente, nos seduz para as paisagens mais negras (e a oposição entre claridade e escuridão é um vector vital deste filme) da condição humana. Guillaume Depardieu e Catherine Deneuve [foto] são alguns dos actores de um filme que sempre enfrentou preconceitos e, em boa verdade, nunca foi visto pelas suas muitas e fascinantes singularidades. A palavra "Pola" nasce das iniciais do título francês do romance de Melville —
Pierre ou Les Ambiguïtés.