sábado, abril 12, 2008

Para recordar Daniel Pearl

Foi há seis anos. A 1 de Fevereiro de 2002 um jornalista norte-americano, feito refém por um grupo terrorista paquistanês, era decapitado frente a uma câmara de vídeo. Chamava-se Daniel Pearl, tinha 38 anos e era o chefe da delegação do Wall Street Journal em Bombaim, na Índia. Em finais de Janeiro, em busca de possíveis cenários de bastidores e ligações envolvendo a tentativa de atentado ao voo 63 da American Airlines (em Dezembro de 2001), partira para Carachi, onde pensava poder entrevistar o xeque Mubarak Ali Gilani. Aí foi raptado. O grupo terrorista tomou Daniel Pearl por agente da CIA e fez uma série de exigências em troca da sua vida. Com as exigências seguiram imagens do jornalista algemado, segurando um jornal, e com uma arma a si apontada. As exigências não foram satisfeitas. Nem mesmo respondidas. A 22 de Fevereiro, um vídeo chegava aos media revelando a execução do refém. Em três minutos e trinta e seis segundos escutam-se as suas últimas palavras. E a sua imediata decapitação.

O assassínio de Daniel Pearl correu mundo. Alguns dos seus textos tiveram edição póstuma em livro. A sua família e amigos criaram uma fundação que tenta promover os valores que guiavam a vida do jornalista, da tolerância e respeito pelas gentes e culturas a uma firme crença no poder da educação e da comunicação. Isto sem esquecer o seu sentido de humor. E um enorme amor pela música, natural num homem que, ainda antes de saber ler inglês, já lia música e que tocava o violino, com particular gosto pelo jazz e bluegrass. Entre as mais visíveis organizações da fundação contam-se, de resto, os Daniel Pearl World Music Days, que promoveram já mais de 1500 concertos em perto de 60 países.

O amor do filho pela música levou Judea Pearl, o pai de Daniel, a contactar o compositor Steve Reich. Este vivera, mesmo à distância, o horror do terrorismo quando, a 11 de Setembro de 2001, acompanhou ao telefone o evoluir do dia do seu filho, que vivia a poucos quarteirões das Torres Gémeas. A ascendência judaica de Pearl e Reich foi mais um elemento em comum. E, na hora de receber uma encomenda de nova obra para estrear em 2006, assinalando o seu 70.º aniversário, Steve Reich propôs as Daniel Variations, que agora chegam a disco. Estreada em várias salas que participaram na encomenda (entre as quais a Casa da Música), a obra cruza palavras do vídeo do assassinato de Daniel Pearl com outras, do texto bíblico do Livro de Daniel, do Antigo Testamento. "Apercebi-me que o sonho negro de Nabucodonosor é na verdade o mundo em que vivemos, onde as pessoas são mortas por causa da sua religião", explicou o compositor ao DN quando passou pelo Porto para a estreia nacional de Daniel Variations. Reich já descreveu esta sua obra como uma homenagem em memória de uma "vítima inocente". E é, até ao momento, o seu trabalho mais político e interventivo. Antes deste Daniel Variations, Steve Reich afirmara já uma face política em Different Trains, obra de 1988 na qual cruzou memórias das suas viagens de comboio de Nova Iorque para Los Angeles, em tempos da II Guerra Mundial com outros comboios, “diferentes” nos quais, nesses mesmos dias, judeus europeus eram enviados para os campos de extremínio. De 2002, Three Tales, uma ópera-vídeo (que passou pelo CCB), reflectiu sobre questões éticas da ciência e tecnologia, focando o acidente do zeppelin Hindenburg, as experiências atómicas no atol de Bikini e a clonagem da ovelha Dolly. Daniel Variations, revela um Steve Reich mais sombrio que o habitual, numa peça que cruza a poderosa memória das palavras com uma partitura dominada por intensa escrita para cordas. A edição, pela Nonesuch, junta a esta peça as Variations For Vibes, Pianos & Strings, de 2005.

Aqui fica uma reportagem da BBC sobre a estreia de Daniel Variations, com excertos de uma entrevista a Steve Reich e alguns momentos nos quais se escuta o som desta peça.


PS. O texto é uma versão alongada de uma notícia publicada no DN