Assombrada, assombrosa, Emmanuelle Béart [foto] representa a personagem de uma jovem viúva com dois filhos, literalmente arrastada no êxodo de milhares de franceses, em direcção ao Sul, quando, em Junho de 1940, o exército nazi chega a Paris — Os Fugitivos (no original: Les Égarés, 2003) é a história dessa deriva subitamente cruzada com a revelação mais carnal, porventura mais radical, que o amor pode conter.
Por vezes apressadamente arrumado na prateleira dos títulos "dispensáveis" de André Téchiné, Os Fugitivos, agora dispo-nível em DVD, só pode surpreender a cada revisão. De facto, o entrelaçar das vidas — e dos corpos — de Odile (Béart) e Yvan (Gas-pard Ulliel, espantoso actor mais conhecido pelo papel principal de Hannibal Rising) envolve o que de mais belo perpassa pelo universo de Téchiné. A saber: essa perma-nente disponibilidade para as convulsões da história colectiva, e dos seus ecos familiares, num estilo de narrativa que acaba sempre por tender para a crueza do melodrama. Que crueza? A que nos faz perceber que o desejo amoroso dispensa a história e, no seu mais desencantado limite, a combate. Eventualmente reconhecido como o mais directo herdeiro de François Truffaut (1932-1984), Téchiné pertence a uma linhagem que inclui os nomes determinantes de Jean Renoir (1894-1979) e Max Ophuls (1902-1957).