sábado, abril 19, 2008

O Estado Fórmula 1

A meio da tarde de hoje, li es-ta notícia — sobre a partici-pação de Tiago Monteiro nos campeonatos de Fórmula 1 de 2005 e 2006 — no site do jornal Público (procurei outras abor-dagens noutros locais, nomea-damente em sites de jornais desportivos, mas não encontrei qualquer referência — admito que possa ter procurado mal). Na prática, ficamos a saber algo de muito linear: para que aquela participação se consumasse, o Estado deu 2 milhões de euros — é esse, aliás, o título da notícia: "Estado deu dois milhões de euros para ter Tiago Monteiro na F1".
As atribulações que conduziram a tal decisão passam por financiamentos esperados e/ou não consumados, envolvendo, em última instância, os governos presididos por Santana Lopes e José Sócrates. Tipicamente, a notícia permite-nos deduzir que PS e PSD já abriram um processo de mútuo "julgamento" e de consequente distribuição de "culpas". O que, uma vez mais, apenas servirá para desviar a atenção do essencial. E o que é o essencial? É o simples facto de o Estado português, não só dar 2 milhões de euros para um (sublinho: um) português que pratica o mais caro desporto do mundo como, previamente, admitir essa possibilidade.
Há uma obscenidade visceral nesta história. Poderíamos resumi-la no plano quantitativo — por exemplo, lembrando que é possível produzir três ou quatro filmes portugueses com aquele dinheiro (mais, se pensarmos nos que se vão fazendo com orçamento "zero"). Mas não se trata exactamente de comparar parcelas. Trata-se, isso sim, de reconhecermos que há uma ideologia política dominante cujo discurso cultural menospreza muitas (e muito dignas) actividades artísticas, ao mesmo tempo que se comove com os dramas de um... corredor de Fórmula 1.
E que os mais precipitados não queiram insinuar que há nesta nota o velho "menosprezo" dos "intelectuais" pelo desporto. Primeiro, porque ninguém tem que dar provas dos seus gostos desportivos para discutir a gestão financeira do Estado e, em particular, as relações do Estado com as actividades especificamente culturais. Segundo, porque não é possível continuarmos a ficar indiferentes ao discurso tecnocrata que quer justificar tudo — incluindo 2 milhões de euros para um corredor de Fórmula 1 — através da defesa da "marca Portugal". Como cidadãos, todos temos direito a viver num país, sem a obrigação de sermos adeptos de uma "marca".