Entre as muitas formas de nostalgia cinéfila inclui-se o coleccionismo, em particular de imagens de propaganda dos filmes que, entretanto, caíram em desuso — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Abril), com o título 'Quando o cinema era... fotografia'.
Não é preciso recuar muito no tempo para nos lembrarmos das fachadas dos cinemas com gigantescos cartazes e, em particular, das fotografias cartonadas que, nas vitrinas das salas ou junto às bilheteiras, serviam para apresentar os filmes. Hoje em dia, nos multiplexes, o essencial da informação sobre os filmes está num quadro luminoso: luzes a piscar anunciam o título, eventualmente a classificação etária e o horário das sessões. Nasceu mesmo uma franja de público que já não tem qualquer paixão ou expectativa cinéfila: é um público sem gosto específico que escolhe ir ver um filme pelo horário mais próximo ou mais vantajoso...
Dave Kehr, crítico de cinema de The New York Times, faz-nos saber que há todo um revivalismo em torno desses materiais antigos de promoção do cinema, em particular das fotografias cartonadas. Em artigo publicado na American Photo de Mar-ço/Abril, Kehr refere o impulso coleccionista que, nos EUA, conferiu novo valor aos materi-ais “primitivos” de promoção dos filmes. O género de terror, em particular os clássicos dos anos 30 dos estúdios Universal, tem a sua cotação em alta. Assim, por exemplo, em Novembro de 2007, uma fotografia cartonada de Drácula (1932), de Tod Browning, com Bela Lugosi, foi vendido pelas Heritage Auction Galleries por nada mais nada menos que 65.725 dólares (cerca de 42 mil euros).
Entre os materiais que passaram a ser reconhecidos pelo seu genuíno valor artístico estão sobretudo imagens de filmes dos anos 30/40, mas também do pós-guerra. As memórias iconográficas podem pertencer a raridades como Fazil (1928), um dos primeiros trabalhos de Howard Hawks, ou a obras consagradas como Fallen Angel (1945), de Otto Preminger, há muito reconhecido como uma pérola do filme negro (entre nós: Anjo ou Demónio). Na prática, as fotografias cartonadas continuaram a existir até à década de 80, sendo progressivamente abandonadas em favor da publicidade televisiva. Exemplos como o de Fallen Angel [foto] permitem perceber o sofisticado “artesanato” ligado a este tipo de imagens: o filme é a preto e branco, mas as fotografias promocionais apresentavam-se trabalhadas numa requintada paleta de cores, a meio caminho entre a sépia e a sugestão dos tons do technicolor da época.
Há em toda esta história um sintoma que vale a pena sublinhar. Poderemos chamar-lhe o progressivo afastamento entre cinema e... fotografia. Não que o imaginário cinematográfico se possa pensar fora da multiplicidade das técnicas fotográficas. Em todo o caso, com o triunfo das linguagens televisivas e, mais recentemente, através da generalização dos processos digitais, os materiais especificamente fotográficos perderam o seu valor (comercial) na apresentação e difusão dos filmes.
Fica, por isso, um sentimento de mágoa. Os espectadores que dependem apenas de um spot promocional (visto num ecrã de televisão ou, algures, no labirinto da Internet) vivem, de facto, num universo cinematográfico virtual, distante e imaterial. Descobrir os filmes através das respectivas fotografias expostas à entrada das salas de cinema é um hábito que se perdeu. Um hábito e, claro, também o prazer a ele associado.
Não é preciso recuar muito no tempo para nos lembrarmos das fachadas dos cinemas com gigantescos cartazes e, em particular, das fotografias cartonadas que, nas vitrinas das salas ou junto às bilheteiras, serviam para apresentar os filmes. Hoje em dia, nos multiplexes, o essencial da informação sobre os filmes está num quadro luminoso: luzes a piscar anunciam o título, eventualmente a classificação etária e o horário das sessões. Nasceu mesmo uma franja de público que já não tem qualquer paixão ou expectativa cinéfila: é um público sem gosto específico que escolhe ir ver um filme pelo horário mais próximo ou mais vantajoso...
Dave Kehr, crítico de cinema de The New York Times, faz-nos saber que há todo um revivalismo em torno desses materiais antigos de promoção do cinema, em particular das fotografias cartonadas. Em artigo publicado na American Photo de Mar-ço/Abril, Kehr refere o impulso coleccionista que, nos EUA, conferiu novo valor aos materi-ais “primitivos” de promoção dos filmes. O género de terror, em particular os clássicos dos anos 30 dos estúdios Universal, tem a sua cotação em alta. Assim, por exemplo, em Novembro de 2007, uma fotografia cartonada de Drácula (1932), de Tod Browning, com Bela Lugosi, foi vendido pelas Heritage Auction Galleries por nada mais nada menos que 65.725 dólares (cerca de 42 mil euros).
Entre os materiais que passaram a ser reconhecidos pelo seu genuíno valor artístico estão sobretudo imagens de filmes dos anos 30/40, mas também do pós-guerra. As memórias iconográficas podem pertencer a raridades como Fazil (1928), um dos primeiros trabalhos de Howard Hawks, ou a obras consagradas como Fallen Angel (1945), de Otto Preminger, há muito reconhecido como uma pérola do filme negro (entre nós: Anjo ou Demónio). Na prática, as fotografias cartonadas continuaram a existir até à década de 80, sendo progressivamente abandonadas em favor da publicidade televisiva. Exemplos como o de Fallen Angel [foto] permitem perceber o sofisticado “artesanato” ligado a este tipo de imagens: o filme é a preto e branco, mas as fotografias promocionais apresentavam-se trabalhadas numa requintada paleta de cores, a meio caminho entre a sépia e a sugestão dos tons do technicolor da época.
Há em toda esta história um sintoma que vale a pena sublinhar. Poderemos chamar-lhe o progressivo afastamento entre cinema e... fotografia. Não que o imaginário cinematográfico se possa pensar fora da multiplicidade das técnicas fotográficas. Em todo o caso, com o triunfo das linguagens televisivas e, mais recentemente, através da generalização dos processos digitais, os materiais especificamente fotográficos perderam o seu valor (comercial) na apresentação e difusão dos filmes.
Fica, por isso, um sentimento de mágoa. Os espectadores que dependem apenas de um spot promocional (visto num ecrã de televisão ou, algures, no labirinto da Internet) vivem, de facto, num universo cinematográfico virtual, distante e imaterial. Descobrir os filmes através das respectivas fotografias expostas à entrada das salas de cinema é um hábito que se perdeu. Um hábito e, claro, também o prazer a ele associado.