À beira dos 40 anos de Maio 68, que memórias estão a chegar? E que ideias vão prevalecer? Este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Abril), com o título 'Para entrarmos em Maio de... 2008'.
Aproxima-se uma efeméride que, por certo, não irá favorecer nenhum consenso unanimista, cínico e redutor. Estou a pensar nos quarenta anos passados sobre as revoltas de Maio 68, em França, um “mês” lendário, indissociável de múltiplas e duradouras repercussões políticas, estéticas e simbólicas. Na pior das hipóteses, alguns discursos maniqueístas, prisioneiros do imaginário televisivo, vão tentar encurralar-nos nos grandes paralelismos pueris (“como é que evoluiu a revolta?”), esquecendo que Maio 68 foi a concretização dramática de uma pluralidade, radical e contraditória, que não pode ser descrita de modo tão fútil.
O problema, como é óbvio, não se reduz a uma curiosidade “francesa”. E não só pelos ecos globais das palavras e das acções de há quarenta anos. Assim, importa voltar a olhar para as imagens de Maio 68, nunca esquecendo que tais imagens são indissociáveis de ideias fortes que foram testadas na própria agitação das ruas e das reuniões ou, então, para o melhor e para o pior, nasceram da sua dinâmica. De França começam a surgir alguns contributos estimulantes como, por exemplo, o número especial de Le Magazine Littéraire, intitulado, precisamente, “Les idées de Mai 68”. Vale a pena consultar também o site do Institut National de l’Audiovisuel (INA) cuja secção “La révolution en images” apresenta uma fascinante colecção de registos ligados a Maio 68 (reportagens, emissões televisivas, etc.), num trabalho de divulgação realizado em colaboração com o jornal Libération, cujos ecos se deverão fazer sentir no próximo Festival de Cannes (14/25 Maio).
Esta é uma efeméride tanto mais sedutora quanto a possibilidade da sua revisitação não se esgota numa mera visão “pitoresca” dos confrontos entre estudantes e polícias ou das barricadas de rua. De facto, a história ensina-nos que alguns títulos do cinema francês escreveram uma espécie de história paralela de Maio 68, não necessariamente porque o tenham abordado enquanto acontecimento, mas também porque, por vezes, souberam conter sinais de uma inquietação profunda a que, mais tarde, não pudemos deixar de reconhecer um valor premonitório.
Entre as referências emblemáticas de tal cumplicidade entre cinema e história colectiva, é inevitável citar essa obra-prima de 1967 (estreada a 29 de Dezembro, em Paris) que é Weekend, de Jean-Luc Godard, entre nós chamado Fim de Semana (estreia portuguesa: 13 de Dezembro de 1974). É nesse filme de Godard que encontramos a célebre sequência de um monstruoso engarrafamento motivado por um acidente, sequência que pela sua crueldade física e pelo sentimento de indiferença que a atravessa, ficou como um emblema da desumanização da sociedade de consumo.
Aliás, quando revemos um filme como Weekend [fotograma em baixo: Juliet Berto], ou outros que Godard dirigiu na mesma época (penso em Deux ou Trois Choses que Je Sais d’Elle ou La Chinoise, respectivamente de 1966 e 1968), deparamos com um sentimento de verdade histórica que nada tem a ver com o mero efeito “documental” das imagens. Com Godard, aprendemos que a passagem para a ficção não implica um alheamento da realidade que nos rodeia. Bem pelo contrário, pode ser uma singular via de entrada nos seus enigmas e contradições.
O problema, como é óbvio, não se reduz a uma curiosidade “francesa”. E não só pelos ecos globais das palavras e das acções de há quarenta anos. Assim, importa voltar a olhar para as imagens de Maio 68, nunca esquecendo que tais imagens são indissociáveis de ideias fortes que foram testadas na própria agitação das ruas e das reuniões ou, então, para o melhor e para o pior, nasceram da sua dinâmica. De França começam a surgir alguns contributos estimulantes como, por exemplo, o número especial de Le Magazine Littéraire, intitulado, precisamente, “Les idées de Mai 68”. Vale a pena consultar também o site do Institut National de l’Audiovisuel (INA) cuja secção “La révolution en images” apresenta uma fascinante colecção de registos ligados a Maio 68 (reportagens, emissões televisivas, etc.), num trabalho de divulgação realizado em colaboração com o jornal Libération, cujos ecos se deverão fazer sentir no próximo Festival de Cannes (14/25 Maio).
Esta é uma efeméride tanto mais sedutora quanto a possibilidade da sua revisitação não se esgota numa mera visão “pitoresca” dos confrontos entre estudantes e polícias ou das barricadas de rua. De facto, a história ensina-nos que alguns títulos do cinema francês escreveram uma espécie de história paralela de Maio 68, não necessariamente porque o tenham abordado enquanto acontecimento, mas também porque, por vezes, souberam conter sinais de uma inquietação profunda a que, mais tarde, não pudemos deixar de reconhecer um valor premonitório.
Entre as referências emblemáticas de tal cumplicidade entre cinema e história colectiva, é inevitável citar essa obra-prima de 1967 (estreada a 29 de Dezembro, em Paris) que é Weekend, de Jean-Luc Godard, entre nós chamado Fim de Semana (estreia portuguesa: 13 de Dezembro de 1974). É nesse filme de Godard que encontramos a célebre sequência de um monstruoso engarrafamento motivado por um acidente, sequência que pela sua crueldade física e pelo sentimento de indiferença que a atravessa, ficou como um emblema da desumanização da sociedade de consumo.
Aliás, quando revemos um filme como Weekend [fotograma em baixo: Juliet Berto], ou outros que Godard dirigiu na mesma época (penso em Deux ou Trois Choses que Je Sais d’Elle ou La Chinoise, respectivamente de 1966 e 1968), deparamos com um sentimento de verdade histórica que nada tem a ver com o mero efeito “documental” das imagens. Com Godard, aprendemos que a passagem para a ficção não implica um alheamento da realidade que nos rodeia. Bem pelo contrário, pode ser uma singular via de entrada nos seus enigmas e contradições.