Será que o Quarteto vai ser o pró-ximo cinema apagado do mapa cultural e comercial de Lisboa? Este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 Março), com o título 'Para não acabar com o cinema Quarteto'.
Notícias das últimas semanas dão conta da situação ago-nizante a que chegou o cinema Quarteto. Primeiro, a Inspecção-Geral das Actividades Culturais considerou haver deficiências várias no complexo de quatro salas, incluindo a falta de saídas de emergência em número adequado; depois, a inexistência de verbas para garantir as medidas exigidas pela lei conduziu a um encerramento “por tempo indeterminado”. Entretanto, os poderes públicos ponderam a hipótese de classificar o Quarteto como espaço de interesse cultural.
De facto, este é um drama anunciado há vários anos. Mais do que distribuir “culpas”, importa reter a crueza da situação a que se chegou. É uma situação que decorre de uma viragem global da distribuição/exibição que, como é sabido, está longe de ser especificamente portuguesa. Assim, o triunfo dos multiplexes (de que, ironicamente, o Quarteto foi, a partir de 1975, sob a direcção de Pedro Bandeira Freire, um modelo pioneiro) transfigurou de modo muito significativo as leis do mercado. Com consequências globais conhecidas: massificação consumista em torno de um número reduzido de títulos (os poucos que gozam de campanhas gigan-tescas) e crescente marginalização das tendências “alternativas” do cinema (incluindo o americano).
Não está em causa o facto de os multiplexes exibirem muitos filmes admiráveis. Como não faz sentido escamotear que alguns desses multiplexes proporcionam sofisticadas condições de projecção. Está em causa, isso sim, um valor vital de qualquer mercado cinema-tográfico. Ou seja: a pluralidade da oferta, valor que, importa lembrar, está longe de ser apenas cultural, uma vez que depende de factores de natureza visceralmente económica.
Aliás, a história do Quarteto ensina-nos que nada disso é linear, nada disso pode ser redu-zido aos maniqueísmos argumentativos que tudo esgotam numa oposição entre “bom” e “mau” cinema, filmes “culturais” e filmes de “entre-tenimento”. Afinal de contas, foi no Quarteto que se fez um dos mais espantosos sucessos do pós-25 de Abril com um filme tão “difícil” como A Religiosa (1966), de Jacques Rivette. Foi também no Quarteto que aconteceram coisas hoje em dia impen-sáveis como a estreia de All That Jazz (1979), de Bob Fosse, não apenas em exclusivo, mas... nas quatro salas!
O pior que poderia acontecer ao Quarteto seria que os decisores políticos o tratassem como um caso de nostalgia. Já basta de atitudes paternalistas que acabam por matar lentamente as salas de espectáculos, ao mesmo tempo que recusam lidar com a realidade, nua e crua, do mercado. Neste caso, importa ter em conta algo que decorre da mais básica lei da oferta e da procura: é vital que o chamado mercado cultural não seja “forçado” a submeter-se a lógicas que, em última instância, impedem os espectadores de aceder à diversidade da produção cinematográfica, seja ela contemporânea ou clássica (e é absurdo que essa diversidade se tenha tornado infinitamente maior na área específica do DVD). Mesmo com desequilíbrios e limitações, essa preocupação continua a ser essencial na oferta das grandes capitais da Europa. Por uma vez, não nos ficaria mal sermos europeus.
Notícias das últimas semanas dão conta da situação ago-nizante a que chegou o cinema Quarteto. Primeiro, a Inspecção-Geral das Actividades Culturais considerou haver deficiências várias no complexo de quatro salas, incluindo a falta de saídas de emergência em número adequado; depois, a inexistência de verbas para garantir as medidas exigidas pela lei conduziu a um encerramento “por tempo indeterminado”. Entretanto, os poderes públicos ponderam a hipótese de classificar o Quarteto como espaço de interesse cultural.
De facto, este é um drama anunciado há vários anos. Mais do que distribuir “culpas”, importa reter a crueza da situação a que se chegou. É uma situação que decorre de uma viragem global da distribuição/exibição que, como é sabido, está longe de ser especificamente portuguesa. Assim, o triunfo dos multiplexes (de que, ironicamente, o Quarteto foi, a partir de 1975, sob a direcção de Pedro Bandeira Freire, um modelo pioneiro) transfigurou de modo muito significativo as leis do mercado. Com consequências globais conhecidas: massificação consumista em torno de um número reduzido de títulos (os poucos que gozam de campanhas gigan-tescas) e crescente marginalização das tendências “alternativas” do cinema (incluindo o americano).
Não está em causa o facto de os multiplexes exibirem muitos filmes admiráveis. Como não faz sentido escamotear que alguns desses multiplexes proporcionam sofisticadas condições de projecção. Está em causa, isso sim, um valor vital de qualquer mercado cinema-tográfico. Ou seja: a pluralidade da oferta, valor que, importa lembrar, está longe de ser apenas cultural, uma vez que depende de factores de natureza visceralmente económica.
Aliás, a história do Quarteto ensina-nos que nada disso é linear, nada disso pode ser redu-zido aos maniqueísmos argumentativos que tudo esgotam numa oposição entre “bom” e “mau” cinema, filmes “culturais” e filmes de “entre-tenimento”. Afinal de contas, foi no Quarteto que se fez um dos mais espantosos sucessos do pós-25 de Abril com um filme tão “difícil” como A Religiosa (1966), de Jacques Rivette. Foi também no Quarteto que aconteceram coisas hoje em dia impen-sáveis como a estreia de All That Jazz (1979), de Bob Fosse, não apenas em exclusivo, mas... nas quatro salas!
O pior que poderia acontecer ao Quarteto seria que os decisores políticos o tratassem como um caso de nostalgia. Já basta de atitudes paternalistas que acabam por matar lentamente as salas de espectáculos, ao mesmo tempo que recusam lidar com a realidade, nua e crua, do mercado. Neste caso, importa ter em conta algo que decorre da mais básica lei da oferta e da procura: é vital que o chamado mercado cultural não seja “forçado” a submeter-se a lógicas que, em última instância, impedem os espectadores de aceder à diversidade da produção cinematográfica, seja ela contemporânea ou clássica (e é absurdo que essa diversidade se tenha tornado infinitamente maior na área específica do DVD). Mesmo com desequilíbrios e limitações, essa preocupação continua a ser essencial na oferta das grandes capitais da Europa. Por uma vez, não nos ficaria mal sermos europeus.