segunda-feira, março 31, 2008

Discos da semana, 31 de Março

Ilustre desconhecido nos seus dias, Arthur Russell é cada vez mais uma das referências sistematicamente citadas entre cultores de uma forma eloquente de abordagem aos códigos da chamada música de dança. Philip Glass, Allen Ginsberg e David Byrne foram dos poucos a compreendê-lo em vida. Hoje, uma multidão de descendentes presta-lhe homenagem e nele encontra um caminho, ainda com terreno aliciante a desbravar. Dos projectos Hercules & Love Affair a !!!, uma nova geração de músicos nova-iorquinos mostra sinais de admiração pelas revelações de um jovem violoncelista que na música de dança encontrou ferramentas para a libertação de canções pessoais e (in)transmissíveis. Kelley Polar, de certa maneira, é mais uma figura de um novo firmamento que orbita em torno da memória de Arthur Russell. Americano, nascido na Croácia (filho de pais diplomatas), Mike Kelley (o seu nome real) começou, como Russell pelo ensino musical “tradicional”. Passou pela mítica Juliard School, de onde foi expulso por alegados distúrbios durante um recital do director. Foi na Julliard que conheceu Morgan Geist (um dos rostos do colectivo Metro Area), com quem encetou uma parceria que, depois de primeiras experiências com o Kelley Polar Quartet, o conduziram à estreia em disco, em nome próprio, com o espantoso Love Songs Of The Hanging Garden (2005), um dos melhores álbuns de canções feitas de electrónica da presente década. I Need You To Hold On While The Sky Is Falling, agora, é o capítulo seguinte. No mesmo sentido, insiste no cruzamento de prazeres pop actuais com a herança de pistas pioneiras das electrónicas de finais de 70. Traços de personalidade experimentalista diluem-se em canções elegantes, belas, luminosas, melodistas. Chrisantemum herda traços do legado do disco. Todavia, o grosso do alinhamento opta antes por uma existência pop, dominada por electrónicas, mas sem nunca abdicar do violino, afinal o instrumento de eleição de Kelley Polar. Não surpreenderá tanto quanto o álbum de estreia. Mas é mais uma soberba colecção de grandes momentos pop.
Kelley Polar
“I Need You To Hold On While The Sky Is Falling”

Environ / imp. Flur
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Só o estatuto de lendas vivas do indie rock tem mantido aceso o interesse de muitos pela música dos R.E.M. Há quatro anos, Around The Sun revelou inclusivamente o que parecia impensável: uma banda em quase piloto automático, banalizada, a resvalar para o desinteressante. Tudo muda, inesperadamente, com o novo Accelerate. Entusiasmados com comentários ao tom pungente do seu som de palco, resolveram despir mais de 20 anos de progressão rumo a uma depuração de linhas, ideias e formas, e voltar à casa partida. Voltaram a ligar as guitarras aos amplificadores, assim nascendo as canções que agora se mostram num álbum curto, rápido, directo e incisivo. Michael Stipe descreve-o como um disco ligado ao turbo. Não admira, portanto, o título escolhido. Em apenas 34 minutos, onze canções mostram uma intensidade que não lhes reconhecíamos há muito. Accelerate é um disco que nos confronta com três adultos desencantados, revoltados. Zangados, mesmo. Mas, acreditando na esperança, na mudança, evitando a mais passiva fuga implosiva que pode conduzir à depressão. Num exercício “faz de conta”, imaginaram-se na pele de um adolescente que vive a primeira década do século XXI e que faz questão de gritar pelo futuro. O seu futuro. O forte cariz político que brota destas canções (e em Houston é evidente mais uma incursão pelas sequelas do que de trágico o sistema revelou na sequência do furacão Katrina) ganha intensidade nesta aposta pelo curto, conciso e directo. Esteticamente, esta opção pode agradecer também ao bem sucedido trabalho do produtor Jacknife Lee (que conhecemos de trabalhos com os Bloc Party, The Hives ou U2) que sugere aqui a solidez de um conjunto de canções de arestas não polidas, de linhas ásperas. Mas, nem por isso, com os pregos de fora. Sabe bem voltar a ouvir, assim, os R.E.M.
R.E.M.
“Accelerate”
WB / Warner
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Desde há alguns anos (nomeadamente desde a Marca Amarela, de 1992) habituámo-nos à absoluta surpresa à chegada de novo álbum dos Rádio Macau, parecendo cada disco querer desafiar eventuais ideias feitas ou caminhos óbvios que o passado pudesse eventualmente sugerir. Ganhou-se assim uma obra de invulgar versatilidade, e momentos de absoluto deleite inesperado, uns mais inspirados, outros nem por isso. Ao oitavo álbum, contudo (ou será, antes, nova surpresa?) os Rádio Macau mostram interessantes sinais de reencontro com as linhas mais “clássicas” de uma linguagem pop que serviu de tutano aos seus dois discos de absoluta referência gravados nos finais de 80 (em concreto O Elevador da Glória, de 1987 e O Rapaz do Trapézio Voador, de 1989). Longe, todavia, de representar uma operação de nostalgia pop, Oito é um álbum de personalidade sóbria e segura. Actual, veterano, tranquilo. De canções de arquitectura bem estruturada, arranjos elegantes, de melodias que servem com atenção as palavras. O disco, na verdade, cruza tempos. Algumas das canções nasceram, com música actual, de velhos poemas que Xana redescobriu num baú de ideias que ficaram por usar. Sonhos Impossíveis, por seu lado, é uma balada musculada que mostra como heranças do rock de 70 se reinventam no presente. Oito é um depoimento que sublinha como, a caminho dos 25 anos de carreira, uma banda pode procurar pistas na sua identidade para nelas projectar a alma de novas canções. Um jogo entre o presente e o aceitar de heranças que acaba com saldo favorável.
Rádio Macau
“Oito”

iPlay
4 / 5
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Naturais de Manchester, mas sem a habitual parafernália de alusões às “tradicionais” genéticas musicais da cidade, os Elbow têm vindo a construir uma identidade (e discografia) naquele patamar entre o gosto indie (mais europeu) e um piscar de olho aos grandes e famosos do rock’n’roll, não admirando portanto que tenham já sido alvo de grandes elogios por gentes que vão dos U2 aos REM. O seu álbum de estreia, em 2001, definiu um caminho concreto, que os seguintes respeitaram e do qual o novo The Seldom Seen Kid é sucessor natural. Uma vez mais aqui se cruzam traves mestras feitas de sólidas referências clássicas, às quais o grupo junta uma vontade de, à sua maneira, experimentar o desafio. As canções alimentam-se da melancolia do quotidiano que é adubo antigo em muita da personalidade pop britânica nascida em grandes e sombrias cidades com tradição industrial. Brotam de histórias do dia a dia, falam de divórcios, da perda, da espera... O que não impede pontual fresta de optimismo. O piano e um claro sentido de grandiosidade sinfonista caracterizam o alinhamento, no fundo respeitando as linhas seguidas na discografia anterior do grupo. Os Elbow são menos polidos e “redondinhos” que os entediantes Coldplay, e em alguns momentos do disco dão-nos belas canções de encorpada personalidade, os arranjos e inesperadas mudanças de clima mantendo atenta a curiosidade do ouvinte. A insistência excessiva numa pompa e grandiosidade que não dão tréguas, acaba por instalar uma sensação se monotonia. E pela faixa oito damos para nós a ver quantas faltam para acabar o álbum. O que não é sinal encorajador.
Elbow
“The Seldom Seen Kid”
Fiction / Universal
3 / 5
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Moby até é um tipo simpático. Dá luta numa boa conversa sobre política americana. E fala sobre Nova Iorque com o entusiasmo de quem vive com alma a vibração da cidade... A música? Bom... É indubitável a sua presença na reinvenção dos códigos pós-revolução da dance music na ressaca do que se escutou em finais de 80, no sentido da redescoberta de formatos próximos da canção já nos dias de 90. Go!, de 1990, é um reconhecido clássico do seu tempo, pilhando em notas (e climas) da banda sonora de Twin Peaks um tom invulgar que depois sugere a libertação pela dança... Seguiram-se uns discos entre o mais do mesmo e o vai-se ouvindo... Até que em 1999 chegou Play. Uma interessante colecção de invenções pop sobre samples de vozes bem escolhidos entre velhos arquivos. Mas, como o recente In Rainbows dos Radiohead, o álbum acabou mais vezes citado pela relação de Moby com uma eficaz política de cedência de temas para campanhas de publicidade que pela música que nele se guardava. Depois, em 2002, apresentou bocejo pop e tédio sob a forma de 18, um álbum que mais parecia de clones das sobras de Play. E em 2005 Hotel, melhorzito, ma non troppo... Agora regressa à noite (de onde veio, sugere a conversa fiada promocional). Last Night é, contudo, e mais ainda que o inconsequente 18, uma banalíssima colecção de exercícios em piloto automático. Moby rewind, baralha e volta a dar um pouco do que fez. Não mais do que já fez. Pior do que alguma vez fez. Tecnicamente competente, é verdade. Mas oco, vazio. Sem fibra nem muita fé no que gravou. Não admire que por aí ande a dizer que agora quer ser mais DJ que músico...
Moby
“Last Night”
Mute / EMI
1 / 5
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Também esta semana:
The Whip, Supergrass, American Music Club (ed. Nacional), The Gossip (live), Billy Bragg, Joy Division (best of), Faces (reedições), The Cloud Room (ed nacional), Frank Black, Neon Neon, Muse (live)

Brevemente:
7 de Abril: Breeders, Rolling Stones, Balla, Clinic, Mexican Institute Of Sound, Triffids (reedições), James, Mobius Band, Long Blondes, Black Kids, Elvis Costello (reedição), Steve Reich, Roni Size, Was Not Was, Alabama 3, Presets
14 de Abril: B-52’s, Kooks, The La’s (reedição), Blood Red Shoes, Cinematic Orchestra (live), Forward Fussia!, Paul Haig, Dead Combo
21 de Abril: Camané, Last Shadow Puppets, Cut Copy, Robert Forster, Yundi Li/Ozawa (Prokofiev), Jonathan Richman,

Abril: Portishead, Madonna, The Presets, Crystal Castles, ABC, Tindersticks, Jamie Lidell, M83, Air (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), Mesa, OMD (live), NIN, Doors (live), Jamie Lidell, Mountain Goats, dEUS, Supremes (raridades), Otis Redding (reedições)
Maio: Spiritualized, Animal Collective (EP), Tokio Police Club, Scarlett Johsnsson, Charlatans, Neil Diamond, Love (reedições), Marc Almond (EP), Soft Cell (reedição)

PS. Os textos sobre R.E.M. e Rádio Macau são versões editadas de outros originalmente publicados no suplemento IN, da revista NS